3

Henry Thoreau e a influência da folhagem-areia

Tête, Beatriz Toledo

Henry Thoreau foi um homem de influência. Digo isso não só porque ele fez contribuições significativas ao romantismo americano, mas também porque ele era excepcionalmente sensível a influências externas, às marcas das coisas. Ele se sentia vulnerável às artimanhas das convenções sociais, contra as quais desenvolveu todo tipo de técnicas profiláticas (fazia longas caminhadas pela natureza, cultivou amizades com plantas e animais, evitava jornais, envolveu-se na desobediência civil). Thoreau era igualmente sensível ao que ele chamava de “influências naturais”, à poderosa presença de corpos e atmosferas não humanas ou não exatamente humanas. Em contraste com sua desconfiança em relação às associações humanas, Thoreau abriu-se às influências naturais: “Abra todos os seus poros e banhe-se em todas as ondas da Natureza”! (Journal, 23 de agosto de 1853);1 “Se sou frio demais para a amizade humana, estou certo de que logo não serei frio demais para as influências naturais” (Journal, 11 de abril de 1852).2

Para Thoreau, os fluxos inter-humanos tendem a poluir e a enfraquecer, enquanto os encontros com influências naturais enriquecem e revigoram:

A nuvem carmesim no horizonte… me excita, me enche de entusiasmo ― faz fluir meus pensamentos ― & tenho novas e indescritíveis fantasias.

(Journal, 25 de dezembro de 1851)

O vento me levou para fora ― os elementos estavam tão vivos e ativos ― e eu simpatizei tanto com eles que não pude sentar.

(Journal, 23 de julho de 1851)

Como as influências naturais são capazes de interromper hábitos de percepção e desviar o pensamento, de estimular novos pontos de atenção, afeto e interesse? É um modo extremamente sutil de causalidade, observa Thoreau. O “segredo dessa influência” é seu caráter “etéreo”, sua eficácia “significativa, mas não eficiente”.3 A influência funciona em virtude de uma imprecisão ou inexatidão essencial; ela produz efeitos silenciosa e indiretamente, sem alarde, e muitas vezes aquém da detecção cognitiva ou mesmo sensorial.

A seguir, exploro um dos encontros de Thoreau com as influências naturais: as forças da neve-areia-argila enquanto derretem ao longo de um aterro ferroviário. Esses materiais são influentes — produtores de mudanças, capazes de afetar — na medida em que proporcionam a Thoreau maior acesso a um reino onírico, surreal ou psicodélico, que coexiste com regimes de experiência mais normais.

A Terra tem ideias

Folhagem de areia, fotografia da Coleção Robbins-Mills de Herbert Wendell Gleason Photographic Negatives, 1899-1937, Concord Free Public Library, Special Collections, 17 de março de 1900.

Em várias caminhadas no início da primavera, Thoreau fica fascinado com o fenômeno da erupção da “folhagem de areia” no declive de um aterro ferroviário.4 A neve está derretendo, assim como a areia e a argila embaixo dela, cada material se movimentando a um ritmo ligeiramente diferente, mas formando fluxos que se sobrepõem e se fundem. À medida que eles prosseguem, uma forma distinta é criada uma e outra vez, a de uma cascata de folhas lobadas.

Inúmeros córregos pequenos se sobrepõem e se entrelaçam…, exibindo uma espécie de produto híbrido, que obedece a meio caminho a lei das correntes, e a meio caminho a lei da vegetação. À medida que flui, ele adquire as formas sentimentais de folhas ou videiras, criando montes de galhos polpudos com pouco mais de um pé de profundidade… É uma vegetação verdadeiramente grotesca,… mais antiga … do que acanto, chicória, hera, videira ou qualquer folha vegetal; destinada talvez, em algumas circunstâncias, a se tornar um quebra-cabeças para os geólogos do futuro…

(“Spring”, Walden, pp. 294-95)

Para Thoreau, é digno de nota que água, areia e argila, que seriam classificados como elementos minerais, assumam uma forma (videiras folhosas) característica do reino vegetal. Tal indiferença à distinção entre matéria e vida leva Thoreau a concluir que “não há nada inorgânico” (“Spring”, p. 298). Em um segundo rompante de pensamento, ele proclama que a semelhança de forma entre a areia-argila e a folha-videira indica uma faculdade geológica de ideação. A areia-folhagem é evidência das meditações “interiores” da terra sobre uma forma que mais tarde produzirá em grande abundância como vida vegetal: “Assim, você encontra na própria areia uma antecipação da folha vegetal. Não é de se estranhar que a terra se expresse exteriormente nas folhas, pois ela trabalha a ideia interiormente” (“Spring”, Walden, pp. 295-6, grifo meu). Em uma entrada no diário de 31 de dezembro de 1851, Thoreau já havia notado que “a terra que eu piso não é uma massa inerte e morta. É um corpo — tem um espírito — é orgânica — e permeável à influência de seu espírito”. Talvez seja a esta terra panpsíquica, com sua capacidade geológica de ideação, que Thoreau se refere quando chama os acontecimentos no aterro de “enigma para os geólogos do futuro.”

A gota

Assim, a terra, como o próprio corpo sensível de Thoreau, “está toda viva e coberta de papilas” (“Spring”, 292). Thoreau está sob a influência de uma vitalidade terrestre e imediata que, assim como a já mencionada “nuvem carmesim”, o “excitou”, “entusiasmou” e produziu “novas e indescritíveis fantasias”. Uma dessas fantasias é a afirmação de que argila, água, areia, vinha e, como veremos na passagem seguinte, carne humana são, cada uma delas, expressão de um “protótipo” mais universal. “Cada corpo”, clama Thoreau, é uma variação sobre o tema da gota ou “lóbulo grosso e úmido”:

O que é o homem senão uma massa de argila derretendo? A ponta do dedo humano é apenas uma gota congelada. Os dedos das mãos e dos pés são uma extensão da massa do corpo que derrete… O nariz é uma gota de estalactite congelada. O queixo é uma gota ainda maior, o gotejamento confluente do rosto. As bochechas são um deslizamento das sobrancelhas para o vale do rosto… Cada lóbulo arredondado da folha vegetal, também, é uma gota grossa e agora ociosa… ; os lóbulos são os dedos da folha.

(“Spring”, p.297).

Como se numa viagem de LSD, coisas muito comuns ― seu nariz, a hera, um pouco de argila e areia numa vala — se destacam de seu contexto habitual para reaparecer (para usar a descrição de Dietrich Diederichsen da experiência psicodélica) como “sublimes/ ridículas”.5 Cada uma se torna uma das muitas gotas dentro de um cosmo viscoso e metamorfoseante. Estes precipitados também tomam a forma das letras do alfabeto. Enquanto Thoreau continua viajando (ele admite estar “consciente de uma leve insanidade em meu humor”), ele vê como as letras da palavra “lóbulo” são elas mesmas iterações da forma globular: “os radicais do lóbulo são lb, a massa macia do b (lóbulo simples, ou B, lóbulo duplo), com o l líquido pressionando-o para frente”.

Pensamentos alados

No aterro, os pensamentos de Thoreau alçam voo psicodélico: “Você encontra… nas próprias areias uma antecipação da folha vegetal”; a folha “vê seu protótipo” na forma de um “lóbulo grosso e úmido”; “A ponta do dedo humano é apenas uma gota congelada”; “O queixo é uma gota ainda maior, o gotejamento confluente do rosto”; “O que é o homem senão uma massa de argila derretendo?”. Influências naturais, que emanam da encosta arenosa ao longo da ferrovia, assim como da forma de seu nariz e das letras do alfabeto, começam a afrouxar a rigidez da percepção comum. Surgem novas percepções, assim como “pensamentos alados”, que “como pássaros” não toleram muita manipulação.6

Os pensamentos de Thoreau são abruptos e excessivos, e seu relato da encosta que derrete é ao mesmo tempo exagerado e elusivo. Mas estes traços são, ele acredita, virtudes. Numa entrada no diário, no dia de Natal de 1851, ele contrasta “explicações” governadas pela “razão” com a “disciplina mais verdadeira” de um escritor que aceita as “mais tênues sugestões” e “um fio depensamento que flutua no céu crepuscular de sua mente por seu tema”. O escritor poético, que ensina suas ideias “a mirar mais longe ”, se aproxima mais da verdade das coisas. Ele está mais capacitado para traduzir uma influência natural, cuja eficácia não é linguística, em palavras ― para “expressá-la sem expressar a si mesmo”. (Journal, 1 de novembro de 1851, grifo meu).