3

Apresentação de Vou-me embora para Pasárgada

Pasárgada, Manuel Antônio Dias Bandeira.

Quando cheguei ao Irã pela primeira vez, vi a imagem de uma manifestação trêmula em uma televisão. “Por que estão se manifestando?” A cena não era nítida. Apenas um fluxo de pernas em debandada durante um tiroteio. “Estão se manifestando pela morte de Ciro. Todos os anos é assim.” Ciro, o grande. Morreu em 530 antes de Cristo. “Kyrosh”, pronunciou meu amigo enterrado na sombra. “Os aiatolás não gostam que a população comemore nada antes do islã. Querem esquecer tudo que veio antes. Mas o povo não esquece Ciro, e todos os anos muitas pessoas correm até Pasárgada, até o túmulo de Ciro, para comemorar o seu aniversário.”

Viajei com uma espécie de ignorância necessária. Não sabia se Pasárgada estava lá e desconhecia que o corpo de Ciro, o grande, tinha um mausoléu.

Todos os lugares estão cobertos por uma areia fina, até mesmo os prédios de Teerã. Quando começamos a viajar para o sul, vimos de longe algo como cupinzeiros no pasto, algo como um forno a lenha no deserto. Através de uma pequena porta baixa, por onde somente um homem podia passar com dificuldade, há uma escada de degraus que descem vinte metros para dentro da terra e terminam em uma bacia com um pouco de água condensada que espera o viajante com sede. “Ob ambor”, em persa, “repositório de água”. Entendi que essa espécie de cisterna mágica ainda era utilizada pelos caminhoneiros e que a sua presença era sinal de que ali era a Pérsia.

Pasárga está a 800 km de Teerã, a uma altidude de 2.500 metros. O sítio arqueológico tem menos de dois quilômetros quadrados. O túmulo de Ciro paira só na paisagem, uma construção baixa de pedra calcária, cercada pela planície da região do semiárido no sudoeste do Irã. É uma construção sóbria, com seis degraus irregulares e a dimensão de um quarto pequeno.

Ciro era pai de Atossa, mulher de Dario, mãe de Xerxes. Todos personagens da tragédia de Ésquilo, com exceção de Ciro. O assunto principal da peça não é a vitória dos gregos sobre os grandes persas, mas o sofrimento, a tristeza ou o pesar. A tragédia se passa em Sussa, na fronteira com a antiga Babilônia, e não em Pasárgada. Sussa foi uma das 59 capitais da Pérsia. Se as capitais são lugares fixos, na Pérsia cada geração parece migrar com sua capital para onde convém, como se enrolasse um tapete. Quando Xerxes perde a batalha para os gregos no mar de Dardanelos, Ciro já havia morrido em uma batalha obscura em algum lugar entre o atual Kazaquistão e o Uzbequistão.

Não há nenhuma evidência que o corpo do rei Ciro realmente esteja em Pasárgada. Somente o testemunho de outro grego, Alexandre o grande. Conta o historiador Flavio Arriano que “Alexandre encontrou a tumba de Ciro, filho de Cambises, saqueado e violado, e que esse ato de profanação lhe causou muita angústia. A tumba estava no jardim real de Pasárgada; um bosque de vários tipos de árvores foi plantado em volta dela; havia riachos de água corrente e um prado com grama exuberante.”

O historiador continua:

A base do monumento era retangular, construída com lajes de pedra cortadas em quadrado, e no topo havia uma câmara coberta, também construída em pedra, com acesso por uma porta tão estreita que apenas um homem de cada vez — pequeno — seria capaz de se espremer com dificuldade. Dentro da câmara havia um caixão dourado contendo o corpo de Ciro, e um grande divã com pés de ouro martelado, coberto com capas de algum material espesso e de cores vivas, com um tapete babilônico no topo. Havia uma inscrição na tumba em persa, que dizia:

Ó homem que passa, sou Ciro, filho de Cambises, quem fundou o império da Pérsia e governou a Ásia. Não ofenda meu monumento.

(Flávio Arriano, 6.29.4-9)

Junto ao túmulo estão até hoje as ruínas do mais antigo jardim persa de quatro pontas. O jardim real descrito pelo historiador é um chahar bāgh. “Chahar bāgh” significa “quatro jardins” em persa, dari, tajik, urdu e hindi. O jardim é um dos poucos elemento poéticos iranianos. Poucos porque estão em todas as partes e se ligam a muitos outros elementos poéticos formando uma única coisa.

Descobri rapidamente que há algo de jardim nos tapetes. São os tapetes e jardins que compõem uma mesquita, que não é uma igreja, mas uma praça fechada, com muitos lugares para a conversa e nenhum banco para sentar. Há algo entre os caminhos desenhados no tapete, as vias internas dos jardins e todos caminhos possíveis num deserto. Estamos habituados a entender os caminhos como pontos de partida e chegada. O desafio do artista que desenha tapetes é desenhar caminhos que sejam infinitos, me diz um amigo de Tabriz.

No Irã as pessoas respeitam seus tapetes. As visitas são colocadas confortavelmente sobre ele, conversam, tocam música, em seguida comem juntas, e quando é tarde são convidadas a dormir sobre o mesmo tapete. Em tardes de sol fresco as famílias gostam de levar tapetes para os jardins para fazer o que chamam de pick-nick. Nada menos parecido com um pick-nick. Juntam-se as metáforas sobre a vida em um jardim-tapete, levando o tapete-jardim para o jardim de fato.

Não por acaso a palavra “paraíso” é do velho persa, parādaiĵah, e significa “jardim murado”.

O jardim de Ciro, o grande, que foi visitado por Alexandre, o grande, era murado.

Existem quatro tipos de jardins persas. O hayāt, um jardim público que geralmente não tem tantos caminhos e está junto a um lago, com suas vias e alamedas forradas de castalho, como muitos jardins franceses, tal como Luxambourg. O meidān, na forma de um bosque que imita a natureza, e que me lembrou um jardim inglês. O parque, que está repleto de cantos e caminhos menos ordenados e lugares para sentar. O bāgh, que são jardins privados, geralmente com um solar ou casa, mas em que os aquadutos têm a função prática de servir água. E por fim o chahar bāgh, que é sobretudo um jardim fechado, utilizado para a diplomacia, e em que os quatro fluxos de água correm em um equilíbrio absoluto.

O corpo de Ciro jaz em silêncio em uma urna funerária de pedra ao lado do seu jardim do tipo chahar bāgh, que lembra o paraíso. E que talvez seja o paraíso ou o lugar em que o paraíso primeiro ganhou uma forma, para depois ser metáfora.

A estrada que leva até Pasárgada termina no sítio arqueológico como uma rua sem saída. Quando viajávamos para lá meus grandes amigos Bahram e Negin aconselharam, depois de me contar várias histórias sobre Ciro, que não fôssemos até Pasárgada. “Não há nada para ver lá, somente um túmulo, e podemos seguir direto para Yazd hoje mesmo e chegar de manhã até o deserto de Kavir.” Afinal, depois de tanto pensar em Pasárgada, talvez fosse melhor não irmos até lá.

No caminho para Yazd eu molhei a mão novamente na bacia de uma das cisternas pelo caminho. Qualquer uma poderia ser o túmulo de Ciro.