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Do marxismo ecológico à ecologia proletária

Sem título (Aterrados), Pedro Zylbersztajn, 2023

Em julho de 2023, o secretário-geral das Nações Unidas declarou: “A era do aquecimento global terminou; a era da ebulição global chegou”. Ele estava exagerando, mas não muito. O dia 6 de julho foi o dia mais quente e julho o mês mais quente já registrados no planeta. A água do oceano ao redor da Flórida atingiu quase 38 °C (comparável a uma banheira de hidromassagem). Temperatura semelhante foi registrada na região sul dos Andes… durante o inverno. Onde eu moro, na região central do estado de Nova York, o céu está envolto por uma névoa branca consistente — às vezes há muita fumaça e a qualidade do ar é ruim — devido aos incêndios florestais que tomaram conta de grande parte do Canadá desde maio.

O mundo está em chamas e está claro que a culpa é da queima de combustíveis fósseis. Entretanto, paradoxalmente, as empresas que os extraem e os comercializam viram seus lucros atingirem níveis recordes no último ano. A maior empresa privada de petróleo e gás, Exxon-Mobil, anunciou lucros recordes em 2022, arrecadando gigantescos US$ 56 bilhões. Da mesma forma, de acordo com o Financial Times, “as maiores mineradoras de carvão do mundo triplicaram seus lucros em 2022, atingindo um total de mais de US$ 97 bilhões”. O mesmo jornal noticiou que fundos de hedge obtiveram retornos de 44% sobre o carvão, com um beneficiário dizendo: “É quase imoral não investir em carvão, haja vista a dependência [de tantos países] de combustíveis fósseis”. É preciso que fique claro que é contra isso que estamos lutando: uma classe despudoradamente empenhada em lucrar com investimentos em combustíveis fósseis pelas próximas décadas, enquanto o mundo ferve. A luta para manter um planeta habitável é uma luta de classes cuja principal tarefa é construir um poder social capaz de se opor ao poder da classe capitalista.

Dado que a raiz da crise ecológica é o capitalismo, o enquadramento do marxismo ecológico parece mais urgente do que nunca. No entanto, esse projeto teórico e político — um projeto que pode ser rastreado há pelo menos meio século — encontra-se em um impasse. Apesar de ter desenvolvido muitas teorias sofisticadas de como e por que o capitalismo é a causa fundamental da crise ecológica, o marxismo ecológico carece de uma estratégia sólida ou teoria do poder sobre como podemos reverter isso. Enquanto isso, precisamente na mesma época em que o marxismo ecológico floresceu nos meios acadêmicos, a classe capitalista acumulou um poder político e econômico aparentemente imparável, e a crise ecológica só piorou. Como a célebre frase de Warren Buffett em 2006: “Há uma luta de classes, sem dúvida, mas é a minha classe, a classe rica, que está fazendo essa luta, e estamos vencendo”. O marxismo ecológico é um produto do período “TINA” [There Is No Alternative] — a famosa máxima de Margaret Thatcher de que não há alternativa ao capitalismo neoliberal. Embora deixasse claro que o capitalismo era o “inimigo da natureza”, era menos claro quanto ao que poderia detê-lo.

O marxismo ecológico surgiu em um momento histórico específico de profunda insatisfação com o marxismo — e particularmente com o movimento operário e os partidos políticos associados à tradição. Compreensivelmente, o marxismo ecológico alinhou-se com aquilo que era visto como novo e excitante — os chamados “novos movimentos sociais”. Como tal, evitou a essência do marxismo: o que Mike Davis chamou de “agência proletária”. Esta teoria postula que o capitalismo cria uma classe — a classe trabalhadora — com uma capacidade ou poder especial para abolir as próprias classes sociais. Assim, antes da década de 1970, era indiscutível que cabia aos marxistas organizar a classe trabalhadora para enfrentar o poder do capital. É precisamente sobre isso que os marxistas ecológicos têm tido relativamente pouco a dizer.

Uma teoria ecológica da agência proletária pode partir do fato de que o conceito de proletariado de Marx sempre foi, acima de tudo, ecológico: trata-se de uma classe definida pela cisão das condições ecológicas de existência (principalmente a terra). Essa cisão radical e histórico-mundial entre as massas e o acesso direto à natureza e aos meios de subsistência cria uma classe que vê sua própria sobrevivência ecológica depender do acesso a dinheiro e mercadorias [commodities]. Em resumo, a vida se torna dependente do mercado. Poderá essa separação radical do meio ambiente formar a base de uma política ecológica da classe trabalhadora? Este ensaio pretende argumentar que sim. Mas, antes de mais nada, devemos examinar por que o marxismo ecológico tem tido muito pouco a dizer sobre a classe trabalhadora.

Marxismo ecológico sem a classe trabalhadora

O marxismo ecológico surgiu em um contexto histórico de ascensão da nova esquerda nos anos 1960 e de uma variedade de lutas envolvendo guerra, direitos civis, libertação das mulheres e, sem dúvida, meio ambiente. Por outro lado, o movimento operário — em sindicatos e partidos da classe trabalhadora — parecia antiquado, burocrático e reacionário (em alguns casos opondo-se abertamente a esses novos movimentos sociais). O princípio marxista de que a classe trabalhadora era o agente privilegiado da mudança parecia irremediavelmente ultrapassado.

Portanto, era compreensível que marxistas que tentavam unir uma análise crítica do capitalismo com o movimento ecológico estivessem em busca de algo novo. No ensaio de Raymond Williams Socialismo e ecologia, o autor sugere: “Acho que agora estamos no início… da construção de um novo tipo de política”. Da mesma forma, André Gorz, autor de Adeus ao proletariado, argumenta que o movimento ecológico “não pode se subordinar aos objetivos políticos do socialismo” e que o ambientalismo deve “continuar a afirmar sua especificidade e sua autonomia”.

Teóricos marxistas como James O'Connor — fundador da revista emblemática do marxismo ecológico Capitalism, Nature, Socialism (CNS) — tinham o objetivo explícito de fornecer uma estratégia teórica para os “novos movimentos sociais”, em contraposição aos “velhos” movimentos operários marxistas e socialistas. “Da mesma forma que o marxismo tradicional ilumina as práticas dos movimentos operários tradicionais, o marxismo ecológico pode lançar luz sobre as práticas dos novos movimentos sociais.”

Embora todos esses pensadores, incluindo Gorz, não estivessem inteiramente dispostos a dizer “adeus” à classe trabalhadora como agente de transformação, eles a viam apenas como um movimento entre muitos. O editor seguinte da CNS, Joel Kovel, disse-o de modo simples: “O proletariado pode não ser privilegiado nos discursos vermelho-verdes, mas continua sendo um parceiro de pleno direito”. Michael Löwy é talvez o principal propagador do ecossocialismo, que define como um esforço para combinar “vermelho” e “verde”. Ele, juntamente com Naomi Klein e inúmeros outros, aposta não no trabalho, não na classe trabalhadora, mas em uma forma mais dispersa de política de coalizão. Löwy recentemente colocou nestes termos: “ambientalistas e socialistas terão de reconhecer sua luta comum e como ela se conecta ao mais amplo ‘movimento dos movimentos’”.

Todas essas abordagens admitiam que os escritos de Marx e a teoria geral marxista continham falhas que precisavam de revisão ou correção em uma direção “verde”. Para muitos marxistas ecológicos, como Ted Benton, por exemplo, a crise ecológica exigia uma revisão ou “ecologização” [greening] do marxismo. Isso contrasta com John Bellamy Foster e a escola da “ruptura metabólica” [metabolic rift]. Foster e outros como Paul Burkett e Kohei Saito resistem ao impulso que muitos ambientalistas têm de rejeitar o próprio Marx ao argumento de ser ele um pensador antiecológico e prometeico. Foster et al. empreenderam um estudo profundo dos escritos publicados e não publicados de Marx e descobriram um Marx ecológico preocupado centralmente com o intercâmbio metabólico entre a sociedade e a natureza. Além disso, revelaram a crítica ecológica de Marx ao capitalismo como um sistema que induz ao que ele chamou de “ruptura irreparável” [irreparable rift] entre a sociedade e a ecologia, particularmente a vitalidade do solo.

Contudo, como outros no marxismo ecológico, a escola da ruptura metabólica descobre um Marx “ecológico” bastante distante de seus escritos centrais sobre luta de classes, exploração e agência proletária (a exceção a isso é Paul Burkett). Para além de vagas alusões ao que Foster chama de proletariado ambiental — expressão que aparentemente inclui a todos, desde jovens ativistas climáticos a camponeses —, a escola da ruptura metabólica mal aborda o papel da classe trabalhadora na criação de uma sociedade ecossocialista. Com razão, por exemplo, a crítica de Justin Aukema ao recente livro de Saito, Marx in the Anthropocene: “É digno de nota que [a classe trabalhadora] está totalmente ausente da teoria do comunismo de decrescimento [theory of degrowth communism] de Saito”.

Ecologia proletária

Sem título (Aterrados), Pedro Zylbersztajn, 2023

Como seria um marxismo ecológico centrado na agência proletária? Defendo que uma tal abordagem não deve buscar “rever” ou “ecologizar” o marxismo, mas oferecer uma leitura ecológica de seus princípios mais básicos — não revisando, mas reaproveitando o marxismo. Assim, talvez valha a pena voltar ao básico e perguntar o que exatamente é o marxismo. Penso que pode ser resumido a dois princípios. Primeiro, como Marx e Engels abrem o Manifesto comunista: “A história de toda sociedade até hoje existente é a história das lutas de classes”. Novamente, qualquer avaliação estratégica da conjuntura atual deve admitir que há décadas o capital tem travado, de cima para baixo, uma guerra de classes bem-sucedida. Em segundo lugar, a primeira linha dos “estatutos gerais” da Associação Internacional dos Trabalhadores dizia: “A emancipação das classes trabalhadoras deve ser conquistada pelas próprias classes trabalhadoras.” É este o princípio que costuma ser chamado de “autoemancipação da classe trabalhadora”. Ellen Meiksins Wood explicou-o do modo mais convincente: “O socialismo estava agora na agenda histórica porque, pela primeira vez na história, existiam não só as forças produtivas para tornar a emancipação humana possível, mas especialmente uma classe que continha a possibilidade real de uma sociedade sem classes”.

No entanto, dada a profunda derrota da classe trabalhadora nos últimos cinquenta anos, os marxistas ecológicos mal consideraram se existe algum aspecto ecológico na visão fundadora de Marx sobre a autoemancipação da classe trabalhadora. Uma tal teoria deve partir do fato de que a teoria de Marx sobre a formação da classe trabalhadora sob o capitalismo — ou proletarização — foi sempre ecológica antes de tudo. Como explica Stefania Barca, a proletarização é definida como um “processo único, global, de separação violenta das pessoas de seus meios de subsistência”. É único no sentido de que, historicamente falando, durante toda a história da humanidade, a maior parte da produção se deu em uma relação direta com a natureza para a produção de subsistência. Mas, à medida que a proletarização explodia na Europa em meados do último milênio, cada vez mais pessoas passaram a ganhar a vida não por meio da natureza, mas vendendo sua capacidade de trabalho (ou força de trabalho) no mercado. A teoria da ecologia proletária baseia-se no fato de que, sob o capitalismo, a vida se reproduz não por meio de relações ecológicas, mas mediante relações de troca com dinheiro e mercadorias.

Mas a teoria de classes de Marx não é somente uma teoria do proletariado. Ela também explica como, ao expulsar da terra a maioria dos produtores, o capital se encarrega do metabolismo social mais amplo com a natureza. Em outras palavras, monopoliza os “meios de produção” para orientar a produção como um todo para os objetivos tacanhos de lucro e acumulação. Em O capital, Marx também argumenta como a ânsia do capital por mais-valor — particularmente do tipo relativo — impele os capitalistas a investir constantemente em divisões de trabalho, cooperação e maquinário que reduzam a necessidade de mão de obra. Como tal, o capital socializa o próprio processo de produção, tornando-o mais dependente das capacidades do que ele chama de “trabalhador coletivo”: trabalhadores individuais cooperam e, de acordo com Marx, “desenvolvem as capacidades da [sua] espécie”.

Marx e Engels destacam essa contradição entre a crescente socialização da produção e a contínua apropriação privada do excedente pelos capitalistas como a principal contradição que o socialismo superaria. Ela é superada quando a ampla maioria da própria sociedade — a classe trabalhadora proletarizada — assume o controle social sobre um sistema de produção já socializado. Aqueles que expropriaram da terra a grande maioria das pessoas seriam usurpados por essa mesma maioria: os expropriadores serão expropriados.

Entretanto, como a escola da ruptura metabólica deixa claro, Marx viu o socialismo, ou o que ele chamou de “produção associada”, como a submissão da própria produção a um planejamento consciente fundado na racionalidade ecológica. Ele explica isso na multicitada passagem do volume 3 de O capital:

A liberdade, aqui, só pode consistir no fato de o homem socializado, os produtores associados, regularem racionalmente seu metabolismo com a natureza, colocando-o sob seu controle comum, em vez de serem por ele regidos como pelas forças cegas da natureza; e realizando isso com o mínimo gasto de energia possível e nas condições mais dignas e adequadas à sua natureza humana.

É importante ressaltar que a teoria da revolução proletária de Marx é o que Hal Draper chamou de “revolução da humanidade”. Se o capital torna a humanidade dependente da forma globalizada da mercadoria, o socialismo é a humanidade assumindo o controle da produção globalizada — e assumindo o controle do metabolismo com a natureza no nível da espécie.

Não é exatamente isso que é necessário? Mesmo que grande parte da política ecológica invoque um tipo de localismo — agricultura localizada ou energia renovável descentralizada —, isso é claramente insuficiente. Enquanto a grande maioria dos seres humanos dependem de mercadorias vinculadas a cadeias globais de abastecimento, Güney Işıkara e Özgür Narin argumentam que devemos propor “uma alternativa sistemática ao capitalismo” e “um conjunto de mecanismos e processos para regular e coordenar o conjunto complexo e interdependente de atividades para reproduzir a vida em suas várias dimensões”. Nesse sentido, uma teoria da ecologia proletária também deve buscar ressuscitar o tipo de internacionalismo proletário pelo qual o marxismo costumava ser conhecido. A Internacional “unirá a raça humana”, como diz uma versão da letra.

A teoria ecológica da formação da classe trabalhadora não endossa a confusão comum do proletariado com o proletariado industrial — isto é, os trabalhadores fabris das indústrias de produção em massa notoriamente submetidos a uma exploração implacável tanto na época de Marx como na nossa. Qualquer solução para a crise climática — uma crise centrada em nosso sistema energético industrial — precisará centrar-se na organização dos trabalhadores industriais, ao passo que a teoria ecológica do proletariado inclui todos os trabalhadores separados da terra e de outros meios de produção. Vale notar que isso deve incluir um espectro mais amplo de trabalhadores que nem sequer são definidos tradicionalmente como “trabalhadores assalariados” — inclui aqueles que prestam assistência [care work] em casa ou “toda a classe social dependente do fundo salarial [wage fund]”. Também inclui o que Mike Davis chamou de “proletariado informal” vivendo no “planeta dos bairros de lata” [planet of slums], fazendo comércio de bagatela [petty trading], coleta de lixo e outras atividades. O que todos esses trabalhadores partilham é a insegurança econômica que advém da dependência do mercado para sobreviverem.

Tendo em mente essa concepção mais ampla do proletariado global, vale a pena destacar que as últimas décadas foram marcadas por sua vasta expansão. Farshad A. Araghi traçou um processo de “descamponeização global” [global depeasantization] desde 1945 (processo que só se intensificou no período neoliberal, segundo Mike Davis). Claro que, com o colapso da União Soviética e aquilo que alguns consideram a maior migração rural-urbana da história da humanidade na China, David Harvey vem dizendo que recentemente “acrescentamos algo como 2 bilhões de pessoas ao proletariado global”. Em termos da percentagem da força de trabalho global separada da terra e da ecologia, o Banco Mundial mede a percentagem da força de trabalho global na agricultura. Essa medida também despencou desde 1991, de 43% para 26% em 2021. Marx previu que o capitalismo criaria uma “maioria imensa” proletarizada no planeta — e essa previsão se mostrou correta no século XXI.

Repensando os interesses ambientais

Há muitas maneiras pelas quais os pensadores políticos entendem a forma como movimentos sociais ou indivíduos se organizam em torno de questões ambientais. Por óbvio, o movimento ambientalista atualmente existente tem um histórico de organização relativamente a uma variedade de tópicos definidos como “ambientais” — sejam eles preservação do espaço ou proteção da vida selvagem, controle da poluição ou política energética. Com frequência, indivíduos ou grupos de defesa chegam a essa política em razão de seu conhecimento científico ou consciência dos problemas ambientais. Por outro lado, em flagrante contraste com o que é visto como ambientalismo “mainstream”, o movimento por justiça ambiental tem-se organizado tradicionalmente em torno de ameaças materiais diretas à subsistência de indivíduos, comunidades ou trabalhadores (o que alhures chamei de “ambientalismo de subsistência”). Aqueles que buscam uma base de classe para a política ambiental têm encontrado muita inspiração nas últimas lutas.

No entanto, do ponto de vista da ecologia proletária, devemos asseverar que a principal ameaça à qualidade de vida da grande maioria dos trabalhadores sob o capitalismo não é “ambiental” em um sentido preciso; é a luta para sobreviver no mercado. Com isso, tendo em vista que o capitalismo é definido pela alienação da classe trabalhadora em relação ao meio ambiente, uma base política verdadeiramente de massas e majoritária que vise a uma mudança ambiental de grande escala não terá sucesso com apelos limitados a questões de poluição ambiental muitas vezes de âmbito local, ou a declarações científicas mais abstratas de ‘crise’ planetária.

Uma política ecológica proletária deveria então recorrer à ecologia da vida da classe trabalhadora — a luta para pagar as contas. Isso ficou evidente com o movimento dos coletes amarelos na França, cujos manifestantes alegavam que, enquanto os políticos se preocupam com o fim do mundo, a maioria das pessoas luta para chegar ao “fim do mês”. Como o calor, a habitação, a água, a alimentação e a eletricidade são fundamentais para a própria vida, estas são questões ecológicas para os trabalhadores. E não é que tais questões estejam desconectadas da crise ecológica. No front climático, claro está que uma descarbonização rápida e em grande escala deve transformar precisamente os setores que os trabalhadores já têm dificuldade de custear: energia, agricultura/alimentação, habitação e transporte.

É exatamente isso o que propuseram algumas versões de um Green New Deal: um programa em grande escala de descarbonização conduzido pelo setor público, juntamente com a desmercantilização [decommodification] ou acesso mais barato às necessidades básicas da classe trabalhadora. Propor um programa dessa natureza certamente não é o mesmo que ter o poder de concretizá-lo. Não obstante, organizadores climáticos e ecológicos deveriam ao menos posicionar suas reivindicações e programas políticos em torno desses interesses proletários básicos.

Poder proletário no século XXI

Sem título (Aterrados), Pedro Zylbersztajn, 2023

O principal problema do marxismo ecológico é que lhe falta uma teoria do poder estratégica e com credibilidade que possa fazer frente ao poder do capital. No entanto, poder-se-ia argumentar que a teoria marxista do poder da classe trabalhadora já não tem credibilidade em 2023. Por que os marxistas deveriam reinvestir sua fé em uma estratégia da classe trabalhadora após décadas de derrota?

A explicação marxista para a pergunta “Por que a classe trabalhadora?” não se baseia apenas na realidade histórica em que sindicatos da classe trabalhadora e partidos políticos construíram a mais formidável oposição ao poder capitalista da história, mas também, crucialmente, está fundada em uma avaliação da classe trabalhadora como uma fonte objetiva de poder em potencial, caso organizada. Por quê?

Primeiro, a classe trabalhadora sob o capitalismo tem um poder majoritário em termos numéricos. Se definirmos o proletariado não apenas como os estratos industriais, mas também como aqueles separados dos meios de produção e dependentes de salários para sobreviver, estamos a falar da ampla maioria da população (alguns chegam a sugerir 79% das famílias nos Estados Unidos — ou, se quisermos excluir as ocupações profissionais e gerenciais da ‘classe média’, o número ainda se aproxima de dois terços).

Segundo, como diz Vivek Chibber, o capitalismo “priva sistematicamente as pessoas dos ingredientes básicos para uma vida digna, como segurança material, autonomia pessoal e os recursos para a autodeterminação e o respeito mútuo”. Em outras palavras, como os cientistas deixam claro que o enfrentamento do colapso climático e ecológico requer mudanças fundamentalmente radicais, o capitalismo cria na sociedade um bloco de massas com um interesse material por transformação de grande escala (mesmo que não estejam conscientes nem se organizando em torno desses interesses).

Em terceiro lugar, e mais importante, a classe trabalhadora detém poder estratégico pelo fato de realizar o trabalho crítico que mantém a sociedade funcionando e os lucros fluindo para os capitalistas. Jane McAlevey, de forma consistente, argumenta que esse poder — o poder da greve — pode gerar uma crise que obrigue as elites a responder. Por exemplo, em 2018, os professores da Virgínia Ocidental fecharam o sistema escolar do estado — uma instituição crítica para a reprodução social — e conquistaram suas ambiciosas reivindicações em cerca de 2 semanas — em um estado de direita. Isso é poder.

Entretanto, como também relata McAlevey em conversa com o líder sindical do SEIU [Service Employees International Union — Sindicato Internacional dos Trabalhadores de Serviços], Jerry Brown: “O músculo da greve é como qualquer outro músculo, você tem que mantê-lo em boa forma, senão ele atrofia”. Ao menos nos Estados Unidos, é quase como se o movimento operário tivesse esquecido esse poder que ele possui, já que a atividade grevista despencou desde o início dos anos 80. As medidas que a administração Biden tomou para impedir que os ferroviários fizessem greve no outono de 2022 demonstram que a classe dominante está bastante assustada com trabalhadores reaprendendo o seu poder.

Estou cada vez mais convencido de que o reavivamento do poder da classe trabalhadora não se concentrará em questões ecológicas em termos restritos. Será parte de uma revolta mais ampla contra décadas de austeridade e ataques à vida da classe trabalhadora (e temos visto algumas dessas revoltas em vários países, como Chile, Grécia e, mais recentemente, Reino Unido). Somente o ressurgimento ampliado de uma esquerda enraizada no movimento operário — alimentado fundamentalmente por greves trabalhistas — poderá construir o tipo de poder capaz de reivindicar politicamente o excedente social e mobilizar recursos públicos na velocidade e escala necessárias para enfrentar a crise. Mas tal mobilização teria de fazer parte de um conjunto muito maior de exigências políticas voltadas a reinvestimentos no bem público, como assistência à infância, educação, saúde e infraestruturas básicas.

Conclusão

O marxismo ecológico surgiu há quase meio século para tentar integrar o movimento ambientalista à crítica contundente do marxismo ao capitalismo. Fez isso sem pensar muito se a orientação estratégica do movimento ambientalista seria ou não realmente bem-sucedida. Está na hora de admitir que uma coalizão ambientalista de “pauta única” [single issue], em meio a um diversificado “movimento dos movimentos”, é por demais atomizada para construir o tipo de poder necessário para confrontar a classe capitalista. Admitir essa derrota obriga-nos a revisitar as partes do marxismo que muitos estavam dispostos a descartar nos anos 1970 — a centralidade da política da classe trabalhadora e o movimento operário para alcançar qualquer tipo de mudança transformadora. É esse tipo de política que pode criar solidariedade para além das diferenças, organizar-se em torno de interesses partilhados contra um inimigo comum, o capital. O tempo está se esgotando.