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Entrevista com Raúl Antelo

Em 2018, Raúl Antelo foi convidado à Universidade de Zurique para três conferências que espero ainda editá-las em livro, cujo título foi dado por ele mesmo: Lo transvisual y la arqueología de lo moderno. Os textos abordam a interpretação nos estudos culturais, respondendo a uma demanda da Sociedade Suíça de Latino-Americanistas (SLAS); a segunda demanda foi uma contribuição para o colóquio “El título del poema”, no qual ele se ateve a escritura masmedular do apoeta Oliverio Girondo, o qual Raúl Antelo editou as obras completas para a coleção Archivos da Unesco e, por fim, uma reflexão sobre o museu para o seminário Museus e materialidades da literatura.

Com trânsito livre entre Brasil e Argentina, ou melhor, com a escuta atenta à teoria crítica, ao pensamento e aos textos literários na América Latina, Raúl Antelo possui uma obra que lida com os mais distintos extratos de temporalidades, de arquivos e de repertório filológico como o Archifilologías latino-americanas. Lecturas tras el agotamiento, de 2015; Ausências, de 2009; Crítica acéfala, de 2008; Maria con Marcel. Duchamp en los trópicos, de 2006 (lançado pela editora da UFMG em 2010); Potências da imagem, de 2004; Transgressão e modernidade, de 2001, dentre outros livros e ensaios publicados em revistas e obras coletivas. No fragmento da entrevista gentilmente cedida a Eduardo Sterzi, Verônica Stigger e a mim, Antelo comenta a sua relação com Jorge Luis Borges e com Mário de Andrade, dois autores fundamentais na sua biblioteca. Biblioteca inclusive a virtual presente nos ensaios do autor. A entrevista completa será publicada em 2021 em um livro consagrado ao pensamento crítico de Raúl Antelo, editado por Mario Camara e Diana Klinger.

Missing names. Série realizada na ex-Biblioteca Nacional da Argentina, 2013. Patricia Osses.

Missing names. Série realizada na ex-Biblioteca Nacional da Argentina, 2013. Patricia Osses.

Missing names. Série realizada na ex-Biblioteca Nacional da Argentina, 2013. Patricia Osses.

Borges. Eu não fui aluno do Borges. Ele já não dava literatura inglesa quando eu me matriculei na disciplina. Fui, porém, aluno de uma outra figura extremamente erudita, que Beatriz Sarlo sempre reivindica como um dos mestres da formação dela, que foi Jaime Rest, era o titular de inglesa na época em que eu cursei Literatura Inglesa. Mas é claro que eu tinha ouvindo N conferências do Borges. Tanto na escola secundária, quanto de maneira livre e espontânea depois. E ele era uma presença cotidiana nas minhas tardes. Explico. Eu saía ao meio-dia, meio-dia e meia da escola e não gostava de estudar na biblioteca da escola — que aprendi vinte, ou sei lá quantos anos depois, que era uma réplica da Biblioteca Nacional de Paris, a velha, a da rue Richelieu, idêntica, tudo copiado, os abajures, tudo em escala reduzida. Mas eu não gostava, não gostava, porque no primeiro dia de aula, curso de língua, a professora nos dá um poema do García Lorca que você teria adorado (se referindo a Eduardo Jorge de Oliveira), porque é de uma peça tardia do García Lorca que se chama Dona Rosita, a solteira, subtítulo: ou a linguagem das flores. “Cuando se abre en la mañana/ roja como sangre está./ El rocío no la toca/ porque se teme quemar./ Abierta en el mediodía/ es dura como el coral” patatipatatá. E a professora nos diz “por favor, pra amanhã, vocês vão à biblioteca e leiam a biografia do García Lorca no Dicionário de Literatura da Revista de Occidente”. Lá fui eu e deixei a minha pasta com a caneta na chapelaria, mas eu tinha uma inibição brutal de pedir ao bibliotecário que me deixasse sair e resgatar papel e lápis. Portanto, não tive dúvida, decorei todo o verbete, cinco páginas, era com exemplos, os exemplos que dava o dicionário de literatura. Então, nunca me senti à vontade naquela biblioteca. Eu preferia a Biblioteca Nacional. Quando eu chegava na Biblioteca Nacional, aí eles me mandavam no salão estudantil, porque, claro, eu tinha doze, 13 anos, salão estudantil. O salão estudantil era uma coisa cafona porque tinha passado por uma reforma recente, tô falando de 1963, ou seja, que era luz e tubo de neon, mesa de fórmica, eu achava uma cafonice brutal. E, por qualquer motivo, eu fazia questão de ir à sala principal. Eu dizia “ah, sim, é que eu tenho que ver um livro de tal, de 1898, que está na sala principal”, aí me permitiam ir à sala principal. A sala principal, que tinha uma claraboia transparente de vidro, imensa, tinha uma escada de ferro contornando essa cúpula e invariavelmente às três da tarde abria-se uma portinhola, nessa passarela que era toda de metal, e lá vinha Borges com a bengala dele, batendo nessa estrutura de metal. Eco, eco. Então, todos os que estávamos no salão principal fingíamos que estávamos lendo, mas todos com o rabo do olho acompanhando pra ver se conseguíamos detectar aonde que ele ia parar, que livro ele ia pegar. Ou seja, que o anacronismo deliberado e a atribuição errônea, mamei in loco. O tempo depois me ajudou a entender que os textos se leem como um espaço de disputa. Quando, muito tempo depois, eu tenho acesso à primeira edição do Pierre Menard, autor do Quixote, título que um dos meus companheiros de “Literatura espanhola do século de ouro”, não saberia dizer agora se foi o César Aira ou algum outro, acho que foi algum outro, mas em todo caso contou com o beneplácito do César, de mim e de tantos outros, reivindicamos às professoras por que motivo Pierre Menard não estava na bibliografia. Quando, digo, muitos anos depois, tenho acesso à primeira edição do Pierre Menard, eu constato que, quando ele publica, em maio de 1939, o conto, na revista Sur, o último parágrafo não existe, ou seja, não existe aquele parágrafo em que ele diz “considerei que toda leitura reconstrói aquela Troia perdida e toda leitura é como um palimpsesto”, ou seja, o conceito de Gérard Genette de “palimpsesto”, que sai dali, é posterior à primeira edição, em livro. O que aconteceu entre a primeira edição na revista e a edição em livro? Ora, aconteceu uma coisa que depois, para mim, se tornaria fundamental na minha aventura de leituras. O conto termina numa página da esquerda; mas, na página da direita, começa a primeira contribuição de Roger Caillois na revista. A revista começou em 1931, isso sai em maio de 1939, ou seja, durante oito anos Borges limitou-se a fazer resenhas na parte de trás da revista, com letra miúda. Era a primeira vez que ele tinha acesso à letra grande e à parte frontal, com uma ficção. E do lado, Victoria Ocampo decide publicar uma contribuição de um jovem normalien, um carinha que, se tivesse ficado na França, quando muito teria dado aula numa escola secundária, mas que ela traz e apresenta como o grande palestrante de Paris, a promessa, blábláblá. Qual é o texto que Roger Caillois publica aí? Sociologia do carrasco. Ele analisa o fato de ter desaparecido o último carrasco da França. Onde se desempenhava este último carrasco da França? Em Nîmes. Se você se lembra do conto, ele, no livro, está datado “Nîmes, 1939”. Não assim na versão da revista. Ou seja, que o conto responde, entre outras tantas coisas, à Sociologia do carrasco. E ao quê da Sociologia do carrasco responde Borges? À petulância do francês que imagina que, depois de quinze dias de chegar aos pampas, ele pode ensinar aos ignorantes que se deslumbram com a sua fala. Porque ele não fala mais do que três linhas, e diz “ah, tem um debate muito intenso na França, hoje em dia, e que passa pelo trabalho de alguns intelectuais que tentam associar a literatura com as ciências humanas…” E nota de rodapé. E na nota de rodapé, que dura duas ou três páginas, ele transcreve o manifesto de fundação do Colégio de Sociologia, como se fosse dele exclusivamente. Ele não dá a autoria a Bataille e Leiris, pois quem na verdade comete o crime, quem comete o roubo é Caillois. Oculta que ele não é o pai da criatura. Bom, tudo isto está ali, na página em branco, tudo isso eu, Mallarmé, que consigo ver como se disseminam esses restos de uma disputa, né? Quem chega, o quanto quer conquistar aquele que chega, alguém que já ocupava um lugar meio secundário, mas que, finalmente, tem acesso a um lugar visível, tudo isso, enfim, arma uma teoria, não apenas da literatura, mas da cultura, como palimpsesto, como superposição de discursos em que não prima a cronologia e sim o anacronismo deliberado. Então, eu te diria, Borges pra mim, a rigor, não entra como objeto de veneração. Jamais seria um desses que vai correndo e pede pra assinar, pra poder dizer “ah, eu tenho todas as primeiras edições autografadas por Borges”, eu jamais fiz isso. Mas sempre ouvi ele a partir da suspeita, porque digamos o que ele me ensinou, com esse acréscimo do Pierre Menard, era uma posição ética com relação àquele que porventura, momentaneamente, passageiramente, está ocupando um lugar de poder.


Babel, Patricia Osses.

Mário de Andrade. Eu chego a trabalhar na biblioteca dele quanto tô fazendo o meu estágio, em 1973. Ou seja, eu frequentei esses cursos de pós-graduação, muito embora aquilo não fosse ser capitalizado, porque não era ainda aluno do mestrado da USP, não poderia reivindicá-lo como próprio. Era um momento fantástico, no antigo IEB, na História, porque a gente tinha acesso direto aos livros, ou seja, que eu passava as tardes naquela biblioteca e eu ia pegando os livros, folheando eles. Hoje a coisa é muito mais burocrática, então você tem que pedir livro por livro, esperar meia hora que alguém traga e tal. Não, eu estava vendo praticamente a biblioteca tal como o Mário a deixou, ao morrer. E aí eu tenho acesso a muitíssimo material. No caso do Mário, sempre me chamou a atenção não apenas o consenso, mas o consenso quanto a esse seu papel patriarcal e fundador. Em função do que eu já contei da minha própria biografia, os papéis de pai fundador, pra mim, são foco de questionamento, não de subserviência. Então, eu diria, passo a trabalhar com Mário de Andrade porque me fascina… me fascinou primeiro o Macunaíma. Digamos: Macunaíma eu li com 20 anos, 1970, edição da Martins, capa azul. E lembro de ter visto alguns dos atores que filmaram Macunaíma, com o Joaquim Pedro, sentado na pizzaria 1234, em frente do Teatro Regina, na Avenida Santa Fé, onde eles apresentaram, entre outras peças, Arena contra Zumbi. Ou seja, dias depois de ter visto finalmente o filme, deve ter sido em 1970, quando foi exibido no festival de Mar del Plata, esperando para assistir Zumbi, a Dina Sfat sentou pra comer pizza do meu lado. Eu vi a Dina Sfat atravessando a avenida Santa Fé, a pizzaria fica em frente do teatro, eu vi ela atravessando e era uma mulher belíssima, como eu iria esquecer dessa figura, né? Baudelairianamente, era une passante, uma coisa assim que você ficava estonteado. Ou seja, a Mário chego por essa via, a Mário chego por essa via. Mas eu te diria, se alguma coisa pauta o meu interesse por Mário não é tanto o que ele escreve e sim o que ele diz. E, ao dizer “o que ele diz”, estou introduzindo aqui uma noção que estava sendo desenvolvida justamente nesse momento, na outra ponta do globo, por alguém que eu começava a ler, que era Jacques Lacan. Nesse mesmo ano da minha viagem, 1973, Lacan desenvolve o conceito de aturdito. Aquilo que fica esquecido por trás do que não se ouve no que se escreve. Então a ideia do aturdito, quero dizer, os efeitos errôneos de contágio ou contaminação da língua, que é equívoca e que se enuncia através da tour, porque étourdit é aquilo que se diz a partir da tour, da Tour de Babel, da confusão das línguas, o anacronismo deliberado, te leva a mixar todas as línguas, todos os tempos, todas as culturas. Eu acho que é essa dimensão étourdite o que me atrai no Mário. Mário é uma pessoa que tenta conciliar épocas absolutamente extremas, culturas absolutamente distantes, missões heterogêneas, objetivos contraditórios e eu creio que é isso que está fadado a um fracasso. É evidente que está fadado a um fracasso. Mas é isso mesmo que me atraía nele, não a vitória. Conseguir criar a Universidade de São Paulo, conseguir criar uma dimensão para os estudos de literatura brasileira, conseguir que se lembre dos estudos folclóricos para ler a literatura… isso me parecia temporão, isso me parecia sonho de uma noite de verão, mais cedo ou mais tarde a história varreria isto. Não que eu ache desprezível, entenda, mas sim é passível de facilmente ser derrubado e sempre me interessou, no Mário, essa sua aposta a futuro. E as limitações dele mesmo. Quando armei essa correspondência última do Newton Freitas com ele, foi muito interessante porque aí você vê as duas posições. Mário tá cansado, quer morrer. Acabou. Não tem mais interesse. Newton é um virador que, depois da prisão na Ilha Grande, tenta armar uma posição no Uruguai, não consegue, vai pra Buenos Aires e, em poucos meses, vira representante comercial do Brasil. Ou seja, passa da prisão com Graciliano a representante comercial do Brasil. Uma trajetória estonteante, né? E a partir dessa posição, ele funciona ilegalmente, informalmente, como um adido cultural. Ele manda publicações pro Mário, pra ele poder acompanhar o que tá acontecendo na Argentina e, ao mesmo tempo, ativa traduções e livros e N coisas na Argentina, no momento em que os liberais de lá estão interessados em entender o Brasil, sobretudo porque o Brasil se encaminha a ser aliado dos Estados Unidos. Ou seja, que a disputa, o interesse pelo Brasil agora é outro. O primeiro número que a revista Sur dedica ao Brasil é setembro de 1942, ou seja, a entrada do Brasil na guerra. É isso que está sendo discutido ali. Então é tão evidente que Newton Freitas lhe remete livros dos estreantes, as novas traduções, muitos dos quais Mário sequer abriu. Há um porém que me parece o mais sintomático de todos, Newton Freitas lhe manda a tradução de Wild Palms, Las palmeras salvajes, traduzido, diz que, por Borges, as más línguas dizem que pela mãe do Borges, com assinatura do próprio, livro que Mário sequer abriu. Era a época que se costuravam os livros, você tinha que pegar o punhal e ir abrindo. O livro tá, tava, não sei hoje, talvez hoje o tenham aberto. Mas o livro, quando o consultei, no início dos anos 1970, estava intocado, ou seja, ele não abriu, não leu, ou seja, não se interessou por Faulkner. Em suma, Faulkner chegou tarde pro Mário de Andrade. Poderíamos dizer, os dois tinham tudo a ver, tinham tudo a ver, mas já não havia espaço para Faulkner em Mário. Então, é essa ideia de um devassamento, de uma saturação, de um diferimento, de um apostar no diferimento de um sentido dos textos através do tempo, mas também esse diferimento dos tempos através dos textos. É justamente isso que eu te diria que me atraiu no Mário, nos textos do Mário. Sempre acabei me interessando por aspectos meio marginais do Mário de Andrade e do grupo de intelectuais que gravitava em torno dele. A experiência da Revista Acadêmica passa por aí. Digamos, são todos uns traidores, porque é um grupo de estudantes de Direito que começam estudando marxismo, que se aproximam, no início da década de 1930, mas que depois, nos anos 1960, acabarão, uns mais outros menos, digamos, preparando 1964. Um dos líderes mais evidentes do grupo é Carlos Lacerda, mas o próprio Murilo Miranda acabará como interventor do Serviço Nacional de Teatro. O único que permanece fiel a uma programação do Partido Comunista é Moacir Werneck de Castro, mas todos os outros, digamos, acabam entrando no sistema, para simplificar. E mostram, digamos, as duas vertentes, as duas tendências de 1922. Os tenentes da primeira época são generais de 1964, ou seus aliados civis. Aqueles que ocuparam cargos do estado, no período imediato ao golpe, ou quando muito, no imediato posterior. Porque muitos deles acabaram prolongando essa permanência. Então aí me interesso por essa área de mescla, de superposição, de confusão. Uma coisa muito parecida com o que estamos vivendo hoje. Ou seja, que num certo sentido diríamos que meu interesse por aquele momento, por aquele período, acaba tendo inusitada atualidade hoje, em que acabo vendo, na prática, coisas que imaginei que não chegaria a ver com tamanha pungência. O socorro do passado é importante.

Babel, Patricia Osses.

Giovanni Urbani, que foi um dos mestres do Agamben, usa o termo “arqueologia” nesse sentido de passado. A arché para Urbani é o passado, pura e simplesmente passado. E a gente que conserva do velho Bergson essa ideia de que o passado está sempre passando, e que chamamos de atualidade apenas essa fração do passado que atua no momento, e que o futuro nada mais é do que aquela parte do passado que não terminou de passar, não podemos ignorar que é justamente esse recurso ao passado, a arché como emergência, como surto, como loucura que irrompe, ali onde não poderíamos imaginar que irrompesse. É o que nos salva da cronologia. Quando, dia desses, num debate, eu falava da filologia salvar a própria filologia, era isso a que eu estava me referindo. Uma filologia pautada pela cronologia leva ao estiolamento, à asfixia. Eu acho que temos que ter a coragem de pensar uma filologia pensada a partir da arché, para dizer do descarrilamento, do desastre. Queremos, dizia Blanchot, o desastre. Deixar de nos pautarmos pelos astros, que nos indicam o bom caminho. É a dialética do esclarecimento. Lembram do apêndice que Adorno e Horkheimer introduzem à Dialética do esclarecimento? Ulisses, Ulisses se pautava pelos astros. Ou seja, que pensar o Ocidente, igualar Ocidente à expansão do capitalismo, vale dizer, a Ulisses, a Colombo, vindo da Europa para a América, é ainda imaginar a modernidade como alguma coisa regrada que obedece a períodos. Na mesma época em que Lacan pensa o étourdit, há um resquício, um resto, um vestígio, de projeto pan-europeu que não tinha dado certo na Europa e que se tenta fazer na América Latina. É o projeto América Latina em sua literatura, em sua música, em suas artes plásticas etc etc. A contribuição do Antonio Candido ao projeto, que é uma contribuição fortuita, porque Sérgio Buarque, o primeiro representante do Brasil, não consegue viajar e indica Antonio Candido. Vai Candido e lê Literatura e subdesenvolvimento, e nos pauta o processo em três períodos, um período ameno, de atraso, em que achamos que o Brasil, tempo virá, em que achamos que ele irá se desenvolver; a seguir, uma noção conflitiva de um sujeito dilacerado, e por último, uma espécie de superação ou ultrapassamento do conflito, que teria um nome, um nome, um término ad quem, que seria Guimarães Rosa. Bom, muito bem. [José Antonio] Portuondo, o crítico cubano, pouco antes disso, tinha estudado com Alfonso Reyes, o mexicano, as tentativas de introduzir a periodização e chegou a escrever em 1959 um livro sobre a periodização na literatura. Com a revolução, Portuondo se vê na obrigação de casar esta ideia da periodização, que remonta a Ortega e os teóricos decadentistas anteriores, a uma tradição spengleriana de pensar a cultura. E aí Portuondo escreve um livro onde, no coração da discussão sobre o período, ele introduz a psicologia soviética: o cachorro de Pavlov. É louco se você lê esse texto, de inícios dos 1960, porque você diz tudo vinha bem até a emergência da determinação cega do cachorro de Pavlov, apresentado como se fosse uma instância libertária do determinismo psíquico. Então, digamos, a periodização, que foi uma preocupação muito grande, na crítica literária dos anos 1970, era habitada também por esse fantasma. Só hoje, depois de tanta coisa já vivida, é que podemos voltar a esses textos fundacionais e perceber o grau de loucura e de violência que havia neles. Isso nos obriga a tomar distância. “La luz del entendimento/ me hace ser muy comedido.