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A crise da democracia em três rupturas:
confiança, legitimidade e autoridade1

A vitória de Jair Bolsonaro é o desfecho trágico de uma crise que envolve diferentes temporalidades e espectros políticos. Tudo começou com as manifestações de junho de 2013, seguidas pelo golpe contra Dilma Rousseff em 2016 e, finalmente, a eleição de Bolsonaro em 2018. Cada um desses episódios revelou a inexistência de atores políticos capazes de compreender a necessidade de uma saída democrática para as reivindicações de 2013. Na medida dessa incompreensão, só aumentou a decepção com as organizações políticas que conduziram a democracia brasileira até aqui e, como consequência, abriu-se espaço para a ruptura democrática incarnada por Bolsonaro.

A eleição de 2018 responde — sob a forma de uma grande recusa aos valores e procedimentos da democracia liberal — à indignação de boa parte dos brasileiros contra o mal funcionamento do sistema político e das instituições. Essa resposta, contudo, não propõe soluções e muito menos um sujeito coletivo capaz de apresentar à sociedade uma agenda de mudanças. Trata-se de mera negação, daí seu caráter destrutivo: “O caos como método”, como denominou Marcos Nobre (2019). Cansada de esperar por reformas à altura das reivindicações por mais democracia, desde 2013, e por soluções para os problemas econômicos, agravados em 2015, uma parcela considerável da população apostou no impeachment de Dilma Rousseff e na eleição de um governo que expressa seu desprezo pelo sistema político — resvalando na própria democracia. O evento político que culminou na vitória de Bolsonaro em outubro de 2018 teve início, portanto, em junho de 2013, com desdobramento decisivo em abril de 2016.

Obviamente, uma crise como a que vivemos hoje não acontece de uma hora para outra. Trata-se de um fenômeno complexo, que propomos entender a partir da convergência de diferentes rupturas: da confiança nos políticos, da legitimidade do sistema político e da delegação de autoridade aos intermediários que garantem o funcionamento do sistema de freios e contrapesos da democracia. Fragilizam-se, desse modo, três instituições invisíveis essenciais ao funcionamento da democracia. Essa abordagem permite compreender, ainda, como o Brasil se insere no contexto de enfraquecimento global da democracia. Além disso, ajuda-nos a encarar os impasses e desafios que assombram as esquerdas.

Uma pergunta nos inquieta especialmente: por que, após a experiência ao mesmo tempo inovadora e contraditória do lulismo (Singer: 2012; 2018), ao invés de se converter em terreno para a renovação das esquerdas, nosso país tornou-se um laboratório para a reinvenção da direita? A chegada ao poder da extrema-direita acontece após um ciclo de governos progressistas cujas políticas inspiraram até mesmo uma renovação da esquerda na Europa, como já declararam lideranças do Podemos, na Espanha, da Geringonça, em Portugal e do movimento La France Insoumise. Entender as possibilidade e limites desses projetos é essencial, principalmente porque acreditamos ser necessária, para reverter a hegemonia conservadora, uma profunda renovação das esquerdas e do campo progressista. No Brasil, como na Europa e nos EUA (mas também em vários países da América Latina), o crescimento da extrema-direita resulta de dois fatores fundamentais. Por um lado, o rompimento, por parte das elites, dos pactos que constituíram o arranjo democrático das últimas décadas; por outro, a ausência de respostas das esquerdas às reivindicações por mais democracia, que se fortaleceram na base da sociedade após a crise de 2008.

No Brasil, parece evidente que Bolsonaro é a expressão da revolta e do cansaço de parcela significativa da população contra “os políticos”. Ainda que tenha sido deputado por muitos anos, conseguiu construir a imagem de outsider dizendo absurdos inimagináveis e vivendo de um modo supostamente simples, aproximando-se das pessoas comuns. Acima de tudo, não cultiva nem demonstra nenhuma estima pelas instituições democráticas, com suas complexas regras e procedimentos, com seus prazos elásticos e uma certa inefetividade que, aos olhos da população, aparece como “um grande acordo nacional” para que tudo fique como está. Bolsonaro rompe tal acordo do sistema político, mas não propõe nada no lugar, por isso as consequências são nefastas para a democracia e para as instituições. Essa imagem “antissistema” permitiu que Bolsonaro se apresentasse como candidato sem nenhum programa de governo. Sobre a mesa, apenas vagas promessas morais e securitárias, como facilitar o porte de armas, acabar com o ensino do que ele chama de “ideologia de gênero”, combater a corrupção (mesmo sendo campeão de nepotismo) e perseguir os movimentos de esquerda. Além, é claro, de um programa econômico radicalmente neoliberal ilustrado por frases curtas como “é difícil ser patrão no Brasil”, mas cujo conteúdo permaneceu debaixo da mesa durante o pleito.

Na realidade, Bolsonaro sequer representa plenamente as aspirações das pessoas que votaram nele. Pesquisas recentes do Datafolha2 mostram que, em um tema central para o presidente, a facilitação da posse e do porte de armas, a maioria da população é contrária: em 27 de outubro de 2018 (véspera do 2º turno), 55% dos entrevistados rejeitavam a ideia de que mais armas trariam mais segurança. Era o menor índice da série histórica iniciada em 2013, quando 68% das pessoas apresentaram essa opinião. Contudo, passado o calor eleitoral, a rejeição voltou a crescer.3 Em abril de 2019, o percentual retornou aos 69% e chegou a 70% em julho do mesmo ano. O mesmo acontece em outros temas. Pesquisa realizada imediatamente após a posse de Bolsonaro mostrou que parte importante de sua plataforma não é apoiada pela população: 71% defendem falar de política na escola; 54% apoiam a educação sexual nas escolas; 66% rejeitam ter os EUA como principal parceiro comercial; 60% entendem que não se deve restringir as reservas indígenas. Mais da metade discorda das medidas antiecológicas, da privatização dos serviços públicos e da redução dos direitos dos trabalhadores. Bolsonaro recebe apoio majoritário em apenas duas propostas: 84% dos entrevistados se declaram favoráveis à redução da maioridade penal de 18 para 16 anos e 67% defendem que a entrada de imigrantes deva ser controlada.4

Essa lacuna entre a opinião dos eleitores e a agenda do presidente pode surpreender. Ainda assim, seria precipitado concluir que as pessoas não sabiam em quem estavam votando. Ao que parece, as propostas do candidato para os temas abordados não importavam tanto. Jair Bolsonaro encarnava uma decepção generalizada contra “tudo isso que esta aí”, galvanizando a desesperança de milhões de pessoas que não acreditam mais em soluções factíveis para os problemas que enfrentam no dia a dia. Diante disso, o discurso contra a corrupção e contra o sistema político se fortalece, aliado às pautas morais (difundidas pelo fundamentalismo religioso) e ao convencimento neoliberal de que os gastos públicos são o grande problema do Brasil (veiculado pela mídia).

Três instituições invisíveis da democracia

Para entender o momento atual, não é suficiente observar as instituições formais da democracia. É preciso levar em conta aquilo que o historiador francês Pierre Rosanvalon chama de “instituições invisíveis da democracia”, cujo abalo provoca não uma morte — como nas ditaduras — e sim um processo de corrosão da democracia por dentro. São elas a confiança, a legitimidade e a autoridade.5 Cada um dos atos que levaram à crise da democracia brasileira corresponde à fragilização de uma dessas instituições invisíveis. Depois de 2013, a população perdeu a confiança nos políticos; em 2016, o sistema político minou a legitimidade do jogo democrático; e, em 2018, começou o questionamento da autoridade dos mediadores que auxiliam o funcionamento da democracia nos intervalos eleitorais (mídia, experts, cientistas).

Nossa democracia parece ter sido sempre frágil — o que não é falso, diante das desigualdades sociais escandalosas do capitalismo extremo vigente no Brasil e da violência estatal permanente contra os moradores das periferias brasileiras, sobretudo contra a população negra. Não é verdade, contudo, nem produtivo do ponto de vista político, concluir que não haja democracia alguma a defender. Desde 1988, o país passa por um processo de democratização, sob a direção de uma nova Constituição. Com os primeiros governos do Partido dos Trabalhadores (PT), a redução das desigualdades aprofundou esse processo, com saldo bastante positivo. Porém, apesar de sua relação com os movimentos sociais, que estão na origem da fundação do partido, o PT não foi capaz de compreender a demanda popular por mais democracia que se apresentou em 2013. Mesmo que essa demanda tenha sido expressa por atores beneficiados pelas políticas transformadoras de seus governos: os jovens das periferias das grandes cidades.

Já o PSDB, fundado como Partido da Socialdemocracia Brasileira, vem assumindo, desde 2010, uma política cada vez mais conservadora, estimulando os movimentos de ataque aos direitos humanos (no apoio a uma agenda punitivista no combate à violência) e aos direitos das mulheres (instrumentalizando a agenda de combate ao aborto). Até se tornar, em 2016, um ator fundamental para deslegitimar o jogo democrático, com seu apoio ao golpe institucional. O conceito de conflito distributivo ajuda a entender essa deriva tucana: cientistas políticos como Wanderley Guilherme dos Santos (2017), André Singer (2018) e Leonardo Avritzer (2019) destacam como razão fundamental para o golpe de 2016 a correlação entre a crise econômica, a necessidade de decidir pela manutenção do processo de redução de desigualdades e a recusa das elites em aceitar as novas bases dessa redução. O PSDB se propôs, então, a representar essas elites, com a expectativa de herdar o governo federal. Menosprezando, portanto, o quanto seu apoio ao golpe e à agenda conservadora enfraqueceria a democracia em si mesma e o próprio partido.

O resultado da surdez do PT, quanto a 2013, e do oportunismo do PSDB, em 2016, foi a perda da capacidade de representação desses dois partidos, surgidos durante a redemocratização e que se alternaram no poder desde os anos 1990. Como consequência, todo o sistema político acabou fragilizado. Para a população, essa perda tem efeitos mais profundos do que o enfraquecimento formal das instituições (partidos, parlamentos ou justiça). O que liga a população ao sistema político são relações invisíveis, essenciais ao funcionamento da representação. O poder não se constitui somente de forças visíveis e de instituições, mas também de valores e culturas políticas que constituem o que chamamos de “instituições invisíveis”.

Em 2013, uma crise de confiança abriu caminho para o questionamento da capacidade do PT para continuar as transformações dos anos anteriores, bem como de sua disposição para ouvir a população. Isso não impediu o partido de vencer as eleições presidenciais de 2014, só que dessa vez pela margem mais apertada desde o início dos governos petistas e com um programa econômico mais à esquerda do que em 2002. A confiança envolve essencialmente uma aposta sobre o comportamento futuro dos governantes e terminou de se esgotar com o estelionato eleitoral promovido por Dilma, quando encaminhou, em 2015, uma política econômica oposta à que havia sido defendida durante a disputa eleitoral.

A confiança política é o que faz com que cidadãos depositem expectativas e esperanças em instituições, como governos, partidos e parlamentos, mesmo diante de incertezas sobre suas ações. A crise de confiança acontece, portanto, de baixo para cima, quando a população deixa de acreditar na representação. Não se trata de confiar cegamente nos representantes, que devem ser sempre controlados (pois algum ceticismo também faz parte da democracia). Mas algum grau de delegação de poder e de autoridade é essencial ao funcionamento da representação, especialmente no que diz respeito à ação futura dos governantes. Um dos modos de quebrar a confiança, portanto, é frustrar, de modo irreparável, as expectativas da população, o que se agrava quando se espera muito do representante. Por isso, o que chamamos de “estelionato eleitoral” pode ser uma razão determinante da desconfiança.

Desde os anos 1970, vem sendo diagnosticado um déficit de confiança que atinge em cheio a democracia representativa. Esse regime requer princípios e valores arraigados na sociedade, e não funciona sem eles. Um relatório elaborado em 1975, denominado The Crisis of Democracy,6 já trazia o debate sobre o declínio da confiança dos cidadãos em líderes e governantes, fenômeno que começava a abalar a democracia representativa na Europa, nos EUA e no Japão. Na América Latina, as novas democracias são caraterizadas por uma cultura política de baixa lealdade e fidelidade na relação dos representados com os representantes. Ou seja, com frágil ligação entre os cidadãos e a sociedade ou a ordem institucional. No caso do Brasil, essa baixa fidelidade ajuda a explicar o fenômeno pendular, caracterizado por Avritzer (2019), que faz com que os eleitores “mudem de lado”: muitos dos que votaram antes no PT votam agora em Bolsonaro.

Diversos pesquisadores, em âmbito mundial, têm buscado entender o declínio da confiança política,7 correlacionando-o a fatores como: corrupção, justiça nos procedimentos democráticos, performance econômica, grau de inclusão obtido pelas instituições e capacidade de socialização da política. Frequentemente, ao se dar poder a um governante espera-se que ele vá gerir melhor a economia ou decidir por políticas consensuais. Mas também delega-se decisões que não estavam previstas (como decidir entrar em guerra, por exemplo) e cujo desfecho pode frustrar expectativas. A representação demanda que o povo delegue poder ao representante, que pode errar ou prejudicar aqueles que o escolheram. Como, via de regra, o governante age para além daquilo do que foi acordado na campanha eleitoral, está sempre sujeito a romper a confiança. A decepção pode ser um duro revés, principalmente porque a confiança envolve uma relação afetiva, uma aposta, um engajamento na capacidade e na intenção de certa pessoa para realizar as aspirações nela depositadas. O que chamamos de crise de confiança exprime um revés desse tipo. Daí o sistema político estar em xeque como um todo.

Culpar a população não é uma boa saída. No momento atual, parece que estamos realizando a ficção sugerida por Bertold Brecht sobre um governo que, tendo perdido a confiança do povo, resolve dissolver o povo e eleger outro. De nosso ponto de vista, não haverá solução para a democracia sem iniciativas profundas para restaurar a confiança na política, ainda que para isso seja preciso ir além da representação. Reverter o quadro em que boa parte da população se coloca “contra tudo o que está aí” demanda um acolhimento da desconfiança, que leve à invenção de modos efetivos para responder às suas decepções. A desconfiança é apenas uma das faces da crise da democracia representativa, que testemunhamos, ao menos desde os anos 1990, e que se agravou com a crise econômica de 2008.

Pierre Rosanvallon (2006) observa uma disposição crescente das nossas sociedades para exercer um tipo negativo de democracia. A política é cada vez menos dominada por projetos e proposições afirmativas, pois a desconfiança exerce um papel crescente, gerando uma espécie de “democracia de rejeição”. O povo passa, então, a exercer um poder de veto, sem que disso resultem instituições permitindo às pessoas se expressarem e participarem das decisões. O golpe de 2016 no Brasil foi produto de um desejo de veto. Ainda que tenha sido expresso por grupos sociais privilegiados e bem representados na opinião pública, houve mobilização da base da sociedade pelo impeachment, incluindo as classes médias baixas (que no Brasil estão distantes da parcela rica da sociedade e que viveram um processo de empobrecimento com a crise econômica de 2015). Só que nada foi produzido de positivo a partir daí, mostrando que o golpe era mero instrumento das elites para retomar o poder.

Uma sucessão de erros fez com que a crise de confiança, expressa em 2013, abrisse caminho para a quebra de legitimidade do sistema político. Com a ruptura do pacto que mantinha a ação das elites políticas e econômicas dentro do jogo democrático, instalou-se uma crise de legitimidade. Tratou-se de um processo de cima para cima: a oposição neoliberal, depois da derrota em 2014, partiu para a ofensiva, propondo-se a subverter as regras do jogo para recuperar o poder a qualquer custo e inviabilizar o aprofundamento das mudanças sociais positivas das últimas décadas. A continuidade da crise econômica, a permanência de Michel Temer no poder (após graves denúncias de corrupção) e a prisão ilegal de Lula terminaram de minar qualquer legitimidade do sistema para resolver suas crises, abrindo caminho para a vitória da extrema-direita. A crise de autoridade se instala, então, como uma solução de cima para baixo. Explicaremos melhor, em três seções dedicadas às diferentes crises, como se deu esse processo.

Antes, contudo, é preciso reforçar o caráter original da atual crise brasileira. É fato que o golpe de 2016 atualizou uma longa tradição política do udenismo, na qual a ideia de “limpar o país” da corrupção e do comunismo justificaria uma ruptura democrática. Essa repetição, por vezes, leva a esquerda a acreditar que vivemos uma reedição de 1964. Entendemos que são rupturas de naturezas distintas e aproximá-las pode atrapalhar o entendimento da originalidade do momento político que vivemos. Não apenas o Brasil, mas o mundo está atravessando um período de ameaças à democracia por meio de disfuncionalidades que atingem em cheio as instituições. Em diferentes países — a Hungria é sem dúvida o melhor exemplo — vemos diferentes desarranjos de dispositivos fundacionais, como o poder constitucional, o reconhecimento de uma imprensa independente dos poderes político e econômico e a promoção de uma cultura cidadã ancorada em princípios como a pluralidade, a diversidade e a equidade. Está em curso um poderoso processo de corrosão da democracia por dentro, e não sua destruição por instalação de ditaduras. O fenômeno vem sendo tematizado por diversos intelectuais (Steven Levitsky, Daniel Ziblatt, Yascha Mounk, David Runcimann, entre outros). Wendy Brown assinala, ainda, o papel do neoliberalismo nesse processo.

A fragilização de dispositivos que tinham papel-chave (mesmo que pouco visível) no funcionamento da democracia leva à crise de autoridade que completa nosso drama. Dá-se carta branca para que Bolsonaro e sua equipe desmontem e desacreditem as instituições e os mediadores tradicionais, como jornalistas, experts, funcionários de institutos especializados em políticas públicas e até mesmo cientistas e professores. A imagem de crianças em escolas militarizadas expressa um governo que promove o autoritarismo como único meio de reordenar o mundo caótico que emerge da falta de confiança e de legitimidade, podendo até usar a violência se necessário. E eles sempre fazem crer que será necessário. A dissolução da autoridade, que costumava ser compartilhada por instituições e intermediários, abre caminho para a autocracia. Estamos em plena fase de dissolução de acordos históricos e institucionais que permitiram a redemocratização do país. É assim que se enfraquecem, a cada dia, as instituições visíveis e invisíveis da democracia. Analisamos esse processo em três atos para propor, em seguida, alguns possíveis caminhos de saída deste trágico quadro.

2013 — O grito por mais democracia

As manifestações de junho de 2013 foram reivindicações por mais democracia. Já afirmamos, em outros escritos, que aqueles massivos protestos foram protagonizados por “novas personagens que tentavam entrar em cena” (Roque: 2017). Diante desses novos sujeitos, perguntamos se “seriam o PT e Lula capazes de dar um salto qualitativo e promover uma mudança estrutural no capitalismo brasileiro?” (Medeiros et al.: 2017).

As mudanças desejadas implicariam em responder às demandas por mais democracia, em dois sentidos. Em primeiro lugar, consolidando, de modo mais sólido e duradouro, a diminuição das desigualdades, por meio da ampliação do acesso e da melhoria da qualidade dos serviços públicos, em especial de educação e saúde. Em segundo lugar, criando mecanismos de controle do poder para alterar três dimensões da relação entre Estado e sociedade: (1) aprofundar a participação democrática; (2) interromper a dinâmica de violência estatal contra os pobres; (3) consolidar os processos de combate à corrupção. Esses seriam instrumentos para resgatar a confiança. Mas nada disso foi compreendido pelo sistema político, nem à direita (de quem esperamos pouco nesse sentido) nem à esquerda, o que é mais grave.

Como se sabe (Gohn: 2019; Alonso: 2017), os protestos começaram em reação contra o aumento do preço dos transportes públicos e, diante da brutal repressão por parte do poder público, acabaram ampliando suas pautas: por um lado, demandas por mais saúde e educação; por outro, insatisfação geral contra o Estado, o que aparecia no combate à violência policial e na rejeição à corrupção. O discurso contra a corrupção foi interpretado por boa parte da esquerda institucional como uma reivindicação de direita.

O número de manifestantes nas ruas não parou de aumentar até atingir um milhão de pessoas em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, espalhando-se por mais de mil munícipios brasileiros, em todas as regiões do país. A diversidade dos manifestantes saltava aos olhos: jovens estudantes sem identidade política bem definida, moradores das periferias, organizações pelos direitos civis, sindicatos (que, porém, não estavam à frente dos protestos), diferentes movimentos de mulheres, negros e LGBTQs, além de militantes anarquistas e alguns grupos de direita, que combatiam a presença dos partidos políticos nos atos. Essa composição se alterava de uma região a outra do país, sendo o componente de direita mais presente em São Paulo. Como sugere Rosana Pinheiro Machado, no livro Amanhã vai ser maior (2019), esse fato contaminou a interpretação, fazendo com que a análise paulista predominasse e acabasse por exercer uma hegemonia da narrativa sobre junho. Mariana Patrício e Tatiana Roque (2018) analisam o caso do Rio de Janeiro, mostrando que as pautas principais eram de esquerda, em junho em nos meses seguintes.

Expressava-se nas ruas uma desconfiança generalizada em relação a todas as organizações políticas tradicionais, e não especificamente contra o PT ou o governo Dilma. Ainda assim, a existência de uma raiva difusa contra o sistema político levou boa parte dos analistas de esquerda, principalmente os mais petistas, a se distanciar do movimento, impedindo-os de captar o sentido mais profundo da mobilização e de notar a presença de novos atores sociais, com seus modos mais horizontais de organização, por fora do cânone da política institucional. A esquerda não conseguiu, assim, especialmente aquela que estava no poder, conectar-se à revolta. Isso abriu as portas para a crise de confiança, que começava a colocar o sistema político em xeque e passou aos poucos, em 2014 e 2015, a se voltar contra o PT.

No dia 24 de junho de 2013, a presidente Dilma fazia uma análise positiva das demandas das ruas e chegou a anunciar medidas para respondê-las:

O povo está agora nas ruas dizendo que deseja que as mudanças continuem, que elas se ampliem, que elas ocorram ainda mais rápido. A rua está nos dizendo que quer mais cidadania, quer uma cidadania plena. As ruas estão nos dizendo que o país quer serviços públicos de qualidade, quer mecanismos mais eficientes de combate à corrupção que assegurem o bom uso do dinheiro público, quer uma representação política permeável à sociedade onde, como já disse antes, o cidadão e não o poder econômico esteja em primeiro lugar.8

Ao dizer isso, Dilma mostrava ter compreendido, a quente, a insatisfação expressa nas ruas. Só que nenhuma de suas promessas foi levada adiante. Uma das razões é que, dentre elas, estava a polêmica proposta de referendum como modo de aprofundar a democracia, bloqueada de imediato pelo sistema político e, de modo contumaz, por analistas da direita. Merval Pereira chegou a apontar, em editorial, a influência, segundo ele nefasta, de Toni Negri e outros teóricos que estariam propondo aprofundar a democracia por meio de instrumentos de consulta popular. Não por acaso, o primeiro político a se colocar publicamente contra a agenda de democratização foi o vice-presidente Michel Temer, que protagonizaria o golpe em 2016.

Diante da falta de respostas, a insatisfação aprofundou-se com o passar dos meses, o que acabou pesando realmente contra o PT. Durante os governos de Lula (2003–2010), uma parte importante da população brasileira, especialmente a mais pobre, conquistou direitos e viu seu poder de compra aumentar. Em 2013, a diminuição de nossas desigualdades históricas havia apenas começado, despertando um desejo por mais avanços. Em consequência das transformações materiais que melhoraram a vida dos mais pobres e das classes médias mais baixas, as pessoas se sentiam suficientemente fortes para sair às ruas e reivindicar condições de vida mais dignas e melhores serviços públicos. Essa interpretação vai de encontro à afirmação de Fernando Haddad (2017), que cita o salário mínimo em bom patamar e o baixo desemprego como prova da falta de espontaneidade dos protestos, partindo de um princípio, a nosso ver, equivocado, de que as pessoas não saem as ruas quando estão em boa situação financeira. Rosana Pinheiro Machado (2020) cita a teoria dos recursos para explicar que acontece justamente o oposto.

No meio dos protestos, uma palavra de ordem deixou os analistas atônitos: “Não vai ter Copa”. No país do futebol, a população saía à rua contra a Copa do Mundo. Como compreender isso? O megaevento era a coroação de um projeto de desenvolvimento, posto em prática a partir de 2010, exacerbado pelo modo como os governos petistas enfrentaram a crise internacional de 2008: com grandes obras e investimentos na infraestrutura esportiva, mas também em mobilidade urbana, aeroportos etc. A crítica à Copa do Mundo ameaçava essa racionalidade, que se estendia às Olimpíadas de 2016. Outro slogan, bastante popular nas manifestações, simbolizava o mesmo descontentamento: “Queremos saúde e educação padrão Fifa”. O país vivia um período de crescimento, acompanhado do aumento da renda dos mais pobres, mas isso não se traduzia em serviços públicos de melhor qualidade. Em momento de inflação crescente, ecoava a reivindicação por melhorias na saúde e educação públicas, para compensar a perda de poder aquisitivo da classe média.

Após curta hesitação, o PT terminou por classificar o movimento como sendo de direita. O mais surpreendente é que um ano antes, em 2012, o próprio Haddad baseou sua campanha a prefeito no discurso de que “a vida melhorou da porta para dentro, mas ainda precisava melhorar da porta para fora”, por isso era preciso melhorar os serviços públicos. Não é errado dizer que a oposição aproveitou a indignação para reforçar seu discurso “anticorrupção”, colando-o ao PT, e convocando uma parte da população — sobretudo de classe média — para uma cruzada (totalmente parcial e de fundo autoritário) para criminalizar lideranças petistas. Mas isso está longe de dar conta da totalidade e da complexidade do movimento.

Em 2014, Dilma foi reeleita por margem estreita e a crise econômica se aprofundou. Durante a campanha, havia prometido recolocar o país no caminho do crescimento e da bonança econômica de antes de 2011. Apesar da impossibilidade de escuta manifestada pelo PT em 2013, a maior parte dos eleitores, sobretudo os mais pobres e os mais jovens, resolveu dar um novo voto de confiança ao partido, abrindo a possibilidade para que a esquerda recuperasse parte da legitimidade perdida um ano antes. Ainda havia alguma relação de baixo para cima, uma centelha de confiança que não foi bem aproveitada. O começo do novo governo, em 2015, foi catastrófico. Numa tentativa desesperada de reconquistar a estabilidade por dentro do sistema, Dilma tentou refazer a aliança com parte dos setores neoliberais. Tecnocratas ligados ao sistema bancário ocuparam postos-chave no governo e medidas de austeridade foram aplicadas, reduzindo o investimento público e traindo a expectativa de milhões de pessoas que votaram no PT esperando também mais e melhores serviços públicos. À medida que sua impopularidade aumentava, diante da piora concreta da vida das pessoas e das crescentes denúncias de corrupção que atingiam o PT, o governo Dilma se fechava. Assim, a confiança no governo e no PT acabou em frangalhos. O chamado “estelionato eleitoral” deixava os eleitores ainda mais descrentes quanto ao poder do voto para dar vazão às suas insatisfações.

O sentimento de que o voto não tem valor aparece em Yascha Mounk como um elemento fundamental da crise da democracia. Na União Europeia e nos EUA, estaria em curso um processo de “direitos sem democracia”, com perda de representatividade em prol de tecnocratas:

A legislatura, outrora o corpo político mais importante de todos, perdeu boa parte do seu poder para tribunais, burocracias, bancos centrais e tratados e organizações internacionais (...). As pessoas que integram as legislaturas se parecem cada vez menos com aqueles que deveriam representar: hoje, dificilmente seus membros mantém laços fortes com suas comunidades locais, e o comprometimento profundo com uma ideologia estruturante é ainda mais raro.

(2019: 81)

Se uma situação de direitos sem democracia já aprofunda, como afirma Mounk, a crise de confiança, que dizer de um cenário sem democracia nem direitos? Além de ser “sem democracia”, no sentido da recente diminuição do valor do voto e da baixa representatividade dos eleitos, o Brasil sempre foi marcado pela incapacidade de garantir direitos para a maioria da população. Entre 2013 e 2015, nossas instituições perderam a confiança perante os de baixo, diante de reiteradas demonstrações de incapacidade para alimentar as esperanças de que algo pudesse mudar. Isso ocorreu porque o lento processo de combate às desigualdades dava sinais de esgotamento, mas também porque o governo do PT, em vez de se abrir à experimentação democrática — o que não teria sido difícil diante das ligações históricas do partido com os movimentos sociais, além do apoio dos mais pobres conquistado durante os mandatos de Lula — optou por uma estratégia de recomposição com as elites políticas e com a tecnocracia econômica. Assim, a esquerda brasileira terminou de se fechar em um sistema político opaco, mostrando-se incapaz de renovar suas instituições e suas dinâmicas a partir de um movimento de baixo para cima.

Foi aí que uma parte importante da população entrou em modo reativo, exercendo a contrademocracia, assim nomeada por Rosanvallon (2006), e reivindicando o impeachment. Somou-se a essa insatisfação uma oposição prestes a detonar as regras do jogo para retomar o poder, apoiada por uma elite econômica ávida por aprofundar as medidas de austeridade. Todos esses ingredientes contribuíram para o impeachment. Em 2015, mais de um milhão de pessoas, desta vez de classe média e de classe alta, lideradas, agora sim, por movimentos da nova direita, saíram às ruas para exigir a deposição de Dilma.

De uma crise de confiança difusa, passou-se ao questionamento da legitimidade eleitoral, o que colocava em risco o sistema político como um todo. A decepção e a frustração revertiam as esperanças, generalizando a revolta ou a concordância silenciosa.

2016 — O golpe institucional

A designação de golpe institucional soa como um oximoro. O impeachment de Dilma Rousseff não teve nada a ver com o golpe militar de 1964, que levou à suspensão de direitos civis e políticos de grande parte da população. Contudo, a inconsistência jurídica do processo de impeachment configurou a destituição da presidenta como um golpe parlamentar, como designado por Wanderley Guilherme dos Santos (2017). Outro autor que se dedica a explicar as particularidades de golpes diferentes do tipo clássico é David Runciman em Como a democracia chega ao fim. Existe uma diferença fundamental entre os tipos de golpe: “há aqueles que, para dar certo, precisam deixar claro que a democracia não está mais em vigor; já outros precisam fazer de conta que a democracia permanece intacta” (2018:51). O primeiro tipo é o golpe de Estado clássico, aquele em que “tanques cercam a cidade da noite para o dia” e em que tudo — prisões de opositores, tomada dos prédios estratégicos — acontece “no espaço de poucas horas” (2018:32). O segundo tipo compreende várias modalidades distintas, entre as quais “a manipulação das eleições” e “a ampliação dos poderes do executivo” (2018:50). Podemos acrescentar, ainda, o golpe parlamentar. Ao passo que, no tipo clássico, “os coronéis foram claros em seu golpe e se certificaram de que todos entendessem o que tinha mudado”, existe ainda “o golpe à moda do século XXI”, que é “caracterizado por um esforço de ocultar o que mudou” (2018:41). No regime que sucede esse novo tipo de golpe, afirma Runcimann, ninguém sabe a verdade e “quase todas as decisões são tomadas nos bastidores” (2018:46). Não por acaso, esse tipo de golpe não elege a democracia como o inimigo a destruir: “ela funciona como disfarce para a subversão, e por isso é amiga dos conspiradores” (2018:51).

O processo de destituição de Dilma Rousseff ocorreu com a justificativa de que a mandatária teria cometido crime de responsabilidade ao assinar manobras contábeis — apelidadas de “pedaladas fiscais” — pelas quais o governo utiliza bancos públicos para executar pagamentos. Tal operação era feita com frequência por todos os governos, embora em 2014 o montante mobilizado tenha sido maior. O tribunal responsável por auditar as contas sempre aprovou esse procedimento, mas resolveu mudar o entendimento de uma hora para outra, interpretando o atraso usual como um empréstimo. É como se o governo tivesse pegado dinheiro emprestado com bancos públicos, o que é proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Essa interpretação é extremamente frágil e não poderia sustentar um impeachment. Por isso, outros fenômenos são frequentemente lembrados para justificar o golpe.

O apoio social foi obtido pela grande mídia e pelos partidos de oposição, que conseguiram instrumentalizar o debate sobre a corrupção, usando a Operação Lava-Jato e criando a impressão de que o governo Dilma estaria mergulhado em uma dinâmica de corrupção generalizada. Isso não era verdade, sendo que a presidente jamais tinha sido sequer acusada. Em um contexto de recessão econômica, contudo, a insatisfação da população é compreensível. O problema é que o debate econômico — que estava no cerne do julgamento do impeachment — ficou em segundo plano durante a votação na Câmara dos Deputados: quase nenhum deputado favorável ao impeachment se referiu aos processos contábeis para justificar seu voto. Eles invocavam como motivo “o conjunto da obra”, referindo-se a um suposto esquema de corrupção e à queda de popularidade da presidente. Em suma, tratam-se de motivos que não justificam o impeachment, de acordo com a constituição, pois esse instrumento é distinto do recall (que existe em outras partes do mundo). Na ausência de crime de responsabilidade, o processo foi ilegal, caracterizando o golpe institucional.

Para além dessa dimensão social, há uma dinâmica política sem a qual o impeachment de Dilma não pode ser interpretado corretamente. No fundo, o golpe de 2016 significou a criminalização de toda política de governo que, a partir da prioridade da redução das desigualdades, se oponha à austeridade. Houve, de fato, uma constitucionalização, sem consulta à soberania popular, da política econômica de restrição dos gastos públicos. Não por acaso, seu conteúdo principal foi posto em prática assim que Temer assumiu: a emenda à Constituição impondo um teto para os gastos públicos, inviabilizando, assim, a transferência de partes significativas da renda nacional para os mais pobres e para a classe média.

Esse aspecto ajuda a entender a diferença entre o primeiro processo de impeachment que nossa jovem democracia viveu, em 1992, e o golpe parlamentar de 2016. O impeachment em 2016 significou — e nisso foi totalmente diferente do impeachment de 1992 — o enfraquecimento definitivo do poder do voto. Fernando Collor, primeiro presidente eleito após a ditadura, teve sua saída apoiada pela população em geral e por grandes manifestações nas ruas. O caráter consensual daquele processo ajudou a fazer com que o instrumento do impeachment se tornasse popular no imaginário dos brasileiros, chegando com frequência ao debate público e às mobilizações populares. Em 2016, porém, o impeachment se deu contra as expectativas depositadas na urna em 2014, que escolhiam claramente uma politica de investimentos públicos e continuação do processo de redução das desigualdades. Antes dessa nova legislação, a política econômica era parte do debate sobre o programa do governo. Agora, foi constitucionalizada uma política econômica neoliberal por fora do sufrágio universal. Trata-se de um exemplo eloquente do papel do Estado na implantação da razão neoliberal, como Pierre Dardot e Christian Laval (2010) têm apontado. Essa promiscuidade torna quase “natural” a captura dos órgãos governamentais por fantoches do mercado. É exatamente o caso da relação entre Bolsonaro e seu ministro da economia, Paulo Guedes.

Em 2016, a oposição tentou recuperar o poder sem se submeter à votação popular. Ao fazer isso, enfraqueceu não apenas a relação entre governantes e governados como fragilizou os próprios laços entre as elites políticas, quebrando a confiança de cima para cima. Isso resultou em uma crise de legitimidade do sistema, produzindo o esfacelamento das instituições e abrindo a caixa de pandora da desagregação do sistema político e partidário, o que foi fundamental para o crescimento e consolidação da extrema-direita. Essa etapa foi essencial para que a crise de confiança afetasse a legitimidade do sistema político, gerando o sentimento de recusa que levaria à eleição de Bolsonaro. Como afirma Manuel Castells, “a recorrente frustração dessas esperanças vai erodindo a legitimidade, ao mesmo tempo que a resignação vai sendo substituída pela indignação quando surge o insuportável” (Castells, 2019: 13-14).

O PMDB, principal articulador, e o PSDB, fiador mais efetivo do impeachment, foram implicados em graves acusações de corrupção. Depois de acusarem o PT, ambos fracassaram em conquistar a confiança da população, contribuindo decisivamente para colocar o sistema em suspenso. A quebra da confiança de baixo para cima e a ruptura da legitimidade política de cima para cima abriram caminho para quem viesse a incorporar as críticas aos políticos tradicionais: Jair Bolsonaro.

O papel do PMDB, e dos pequenos partidos que participaram de todos os últimos governos, foi sempre o de bloquear mudanças sociais efetivas e a reconfiguração do poder político, como afirma Marcos Nobre (2013). Com o impeachment, o PMDB chegou à presidência sem ter meios para resolver a crise instalada, aprofundando a desconfiança e falta de legitimidade. O jogo político baseado na relação entre a maioria que governa e a minoria que exerce oposição legítima mostrou-se totalmente disfuncional com o golpe. O PSDB, após a derrota de 2014, tentou retomar o poder na marra, mas acabou chafurdado na mesma lama de todos os outros partidos tradicionais. Pagou o preço de burlar as regras do equilíbrio entre situação e oposição, que são parte essencial da representação.

A democracia representativa se legitima porque, ao mesmo tempo em que garante o governo da maioria, institui o espaço para a ação da minoria. Pierre Rosanvallon (2006) destaca que não há legitimidade possível sem a projeção de que a democracia possa durar para além do momento procedimental do voto. Outros autores também destacam essa característica como fundamental à democracia: Steven Levitsky e Daniel Ziblatt falam “em grades de proteção à democracia” que são erguidas por “regras não escritas”, a saber, “a tolerância mútua e a reserva institucional” (2019:103). Dessas duas normas “informais”, a tolerância mútua é fundamental para que o sistema seja legítimo para todos os lados. De acordo com os autores, ela representa a aceitação de que o adversário tem o direito de existir, competir pelo poder e governar. 

O impeachment de Dilma representou a suspensão desse direito concedido ao adversário. O PSDB, novamente derrotado em 2014, cansou-se de perder eleições e se lançou em um movimento para cassar o direito do PT de governar. Os tucanos não tiveram fair play para cumprir sua função de oposição, respeitando as regras do jogo. Acabaram abrindo mão da “tolerância mútua” apoiando uma deposição ilegítima. O PSDB poderia ter vencido as eleições de 2018, caso tivesse esperado o fim do governo Dilma. Ao contrário, como afirma Renato Janine Ribeiro (2019), o partido vive uma “quase extinção”, à qual responde “manifestando seu acordo ou pelo menos pouco incômodo com sua pauta contrária às liberdades individuais e coletivas” (2019:331). Já o PMDB, outro partido chave do sistema, abriu mão do papel de contenção sintetizado no conceito de “pemedemismo” de Nobre e aceitou ocupar o poder a partir da violência legal contra um dos competidores, o PT, com quem os emedebistas haviam se aliado desde 2004 no congresso e desde 2010 na chapa presidencial.

Toda essa reconfiguração do jogo político brasileiro foi feita em torno de um programa neoliberal radical, que aprofundou a desigualdade no Brasil, bem como a própria crise econômica, minando ainda mais as bases de nossas instituições. As elites nacionais sabem que, no ambiente democrático normal, esse programa seria inexequível. Nas palavras de Pedro Ferreira de Souza, autor do premiado livro sobre a desigualdade brasileira, “a qualidade da democracia, e também seu limite, é que você precisa negociar tudo o tempo todo e levar em conta todos os interesses que estão em jogo e que representam as pessoas”. Rompendo a ordem democrática, é bem mais fácil implementar medidas que farão com que a desigualdade aumente:

A partir do momento que você apela para a violência e rompe a ordem, pelo menos durante algum período inicial você tem uma possibilidade muito maior de reformar tudo (…). Para um regime que não tem necessidade de prestar contas, é muito fácil mexer em coisas que farão a desigualdade aumentar.9

O desrespeito às regras do jogo democrático aliado à persistência da crise econômica e a um programa de aumento da desigualdade contribuíram decisivamente para a falência total do regime que funcionava desde a redemocratização.

2018 — A eliminação dos intermediários

Jair Bolsonaro foi eleito após uma campanha bastante peculiar: sua comunicação direta com os eleitores, via redes sociais, teve um peso decisivo. Na atual conjuntura, todas as instituições intermediárias estão mais ou menos desacreditadas e postas sob suspeita aos olhos de parte da população: experts, mídias, sistema jurídico, cientistas, intelectuais, professores. A autoridade de Bolsonaro se ergue de fato sobre os escombros de um sistema político desautorizado. Ele incarna uma nova autoridade que se impõe de cima para baixo, uma vez rompida a confiança de baixo para cima e a legitimidade de cima para cima. Boa parte dos eleitores de Bolsonaro deseja um governo suficientemente forte, capaz de disciplinar o sistema político, o que aparece em reivindicações difusas de militarização, símbolo da autoridade não democrática.

É possível enumerar aos menos cinco indicadores da tendência de supressão das mediações na sociedade brasileira. Primeiro, a comunicação direta do presidente com sua base através das redes, acompanhada da desqualificação da imprensa tradicional. Confrontados com as críticas contra Bolsonaro, seus eleitores falavam diretamente com o presidente e seus filhos pelo Twitter e lives no Youtube e Facebook. Segundo, a banalização dos procedimentos para a expressão soberania popular. O instrumento do impeachment tem aqui um papel mágico no imaginário popular: “Se o governo não tem mais apoio, nós o tiramos, como fizemos com os outros”. Isso permitiu que muitas pessoas votassem em Bolsonaro mesmo não acreditando que ele pudesse fazer um bom governo. Outro aspecto dessa banalização são os constantes ataques dos apoiadores de Bolsonaro ao STF e ao Congresso Nacional. Cria-se uma imagem de que os freios e contrapesos exercidos por essas instituições, na verdade, são mecanismos que “impedem o presidente de fazer o que prometeu” e por isso violam a soberania. O terceiro indicador é a ideia de “fazer justiça com as próprias mãos”, que se traduz na proposta de flexibilizar o porte e a posse de armas para resolver o problema da insegurança com mais violência. Essa foi uma das principais promessas de campanha de Bolsonaro, que se esforça para viabilizá-la contra a resistência do Congresso e do STF, o que amplia a insatisfação da sua base com essas instituições, alimentando a comunicação direta entre Bolsonaro e seus seguidores. Em quarto lugar, está o papel das novas mídias, que aparece com força na escolha de influenciadores digitais para cargos chave no governo e na eleição de figuras do mesmo tipo para o parlamento. O Ministro das Relações Exteriores e o Ministro da Educação não são legítimos entre seus pares e ganharam notoriedade por suas opiniões nas redes sociais. Isso faz parte de um processo de deslegitimação mais profundo das elites tradicionais, em uma guerra que visa sua substituição por intelectuais que não fazem parte dos meios reconhecidos. Quinto indicador, e não menos importante, é a declaração de guerra aberta e explícita ao campo progressista. Não temos ainda a dimensão exata da extensão e do alcance das ameaças, porém Bolsonaro já nomeou diversos inimigos: o feminismo, os movimentos LGBTI, os partidos de esquerda, os movimentos Sem Teto e Sem Terra.

Tomados os devidos cuidados com o uso do conceito de “populismo” — seja pela longa tradição que esse termo possui nas ciências sociais brasileiras, com Fernando Henrique Cardoso e Francisco Weffort, entre outros, seja pelo debate aberto com as formulações de Chantal Mouffe e Ernesto Laclau — encontramos na análise do cientista político alemão Jan-Werner Müller uma boa síntese do novo tipo de autoridade que se impõe nas democracias ocidentais. O texto Populistas (2017), publicado na Revista Piauí,10 versa sobre Donald Trump. Encontramos nele, contudo, uma análise que se adequa ao quadro político brasileiro, ajudando a entender a ascensão de Bolsonaro a partir das crises de legitimidade e de confiança. A autoridade de cima para baixo é adquirida porque ele “se apresenta como o único, exclusivo porta-voz do que denomina ‘o verdadeiro povo’ ou ‘a maioria silenciosa’”. Para Muller, isso tem duas consequências. Primeiro, todo adversário passa a ser considerado ilegítimo: “os oponentes só podem ser desonestos e corruptos”. Segundo, instala-se a ideia de que existe um “verdadeiro povo” que deve permanecer unido contra seus inimigos que, por sua vez, devem ser eliminados. Tanto o povo quanto seus inimigos são definidos pela nova autoridade. Bolsonaro incorpora essas atitudes o tempo todo, desde quando prometeu “fuzilar a petralhada” em plena campanha eleitoral. O autor aponta, ainda, que essa autoridade não pode se estabelecer sem a ação de “facilitadores” ou de “colaboradores”. Em relação a Donald Trump, trata-se do Partido Republicano. Em relação a Bolsonaro, o autoritarismo se instala com apoio de quase todos os partidos, que foram aderindo paulatinamente à sua candidatura e normalizando seu governo, sendo o PSDB o exemplo mais gritante.

Há, por fim, uma importante reflexão de Muller sobre como os progressistas reagem a esse processo e que se conecta com nosso objetivo de contribuir para a reorganização das esquerdas no Brasil. Trata-se de “nossa própria incapacidade para fazer os demais cidadãos prestarem atenção às ‘checagens de fatos’ e às demonstrações cabais das constantes contradições” de Trump ou, no nosso caso, de Bolsonaro. Em nosso “desespero” pelo esclarecimento, contestamos virtualmente cada afirmação do presidente (dos EUA ou do Brasil) e endossamos “sem questionar a história que esses mesmos populistas vendem sobre a razão de seu sucesso”. Assim, terminamos por condenar os eleitores em vez de buscar novas formas para nos conectarmos a eles. Afinal, ainda de acordo com Muller, não é verdade “que as massas sejam constituídas por desequilibrados mentais prontos a serem seduzidos por qualquer demagogo carismático”. A distinção clara entre razão e emoção pode ser enganadora: “As pessoas sentem raiva por alguma razão, e em geral elas conseguem oferecer uma boa explicação de que razão é essa”.

Culpar as pessoas ou achar que votaram enganadas é a pior coisa que as esquerdas podem fazer, não só porque isso inviabiliza um entendimento mais profundo da derrota, mas também porque denota uma posição elitista de que as massas não sabem votar. Esse argumento foi muito usado pelas elites nos séculos XIX e XX, em sua cruzada contra o sufrágio universal, e foi derrotado justamente pelos movimentos e pelas lutas populares. Uma posição igualmente elitista permeou a reação de parte da esquerda aos protestos de 2013, ao caracterizar as manifestações como “ingênuas” e “inconsequentes”, ou mesmo no diagnóstico de que, embora fossem justas no começo, terminaram “capturadas” ou “manipuladas” pela direita.

Ainda cedo para se dizer o que vai ocorrer com o governo e a esquerda. A recuperação econômica não chega e os casos de corrupção nos ministérios, no PSL e no clã Bolsonaro atingem a popularidade do presidente. Contudo, embora Bolsonaro seja o mandatário mais impopular da nossa história em começo de mandato, ele mantém um terço de eleitores fiéis e segue contando com alguma expectativa positiva do um terço que o classifica como regular. Assim, não é razoável comemorar um derretimento eleitoral da extrema-direita. É possível que o regime endureça e também é possível que se desmoralize. As duas coisas podem, inclusive, vir juntas. Há ainda o papel da geopolítica internacional, sobretudo com as eleições dos EUA. Uma vitória de Trump será decisiva para reforçar o projeto de Bolsonaro, ao passo que um triunfo democrata retira do presidente brasileiro seu principal suporte externo. Como a situação é complexa e incerta, precisamos refletir sobre os rumos das esquerdas nesse quadro.

O futuro: reorganização das esquerdas

Parece óbvio, mesmo que seja angustiante, concluir que a oposição democrática, especialmente a esquerda, não começou ainda a se organizar para propor alternativas, nem para apresentar propostas concretas para resolver a falta de confiança e de legitimidade do sistema político perante a população. Faltam soluções econômicas para fazer face às políticas neoliberais, mesmo que seus resultados sociais sejam catastróficos. Faltam, igualmente, soluções democráticas para as crises de legitimidade, de confiança e de autoridade que emergem do tecido social brasileiro cada vez mais esgarçado.

Nas redes sociais (principalmente) e nas ruas, as esquerdas (lideranças, organizações, base social) têm se organizado apenas em torno da resistência. Depois da bela mobilização pelo “vira-voto” no 2º turno das eleições de 2018, quando milhares de pessoas foram às ruas convencer eleitores indecisos a votar contra Bolsonaro, e após o choque com o resultado eleitoral, a ideia de resistência foi simbolizada pela frase “ninguém solta a mão de ninguém”. Trata-se de um símbolo forte e necessário para os tempos áridos que vivemos. Ao mesmo tempo, o gesto é insuficiente. Para além das mãos de quem já concorda conosco na oposição a Bolsonaro, precisamos alcançar novas pessoas: principalmente, os pendulares de que falamos acima.

A ação exclusiva sobre as instituições visíveis da democracia dificulta enxergar a desconfiança que motiva a rejeição ao sistema político, e que tem boa dose de legitimidade. O peso excessivo da institucionalidade é um problema que aparece em grande parte da literatura que vem debatendo a crise da democracia liberal e também nas ações das esquerdas. Isso aparece na crença de que a confiança, a legitimidade e a autoridade dos mediadores serão restauradas com base apenas no fortalecimento das instituições, minimizando o papel do esgarçamento do tecido social — desigualdades, violências, individualismos, doenças psíquicas — na crise da democracia liberal.

Contra isso, precisamos de uma estratégia que produza uma dinâmica de baixo para baixo, na qual as várias formas de ação coletiva do campo progressista — partidos, sindicatos, coletivos, redes, articulações — consigam “furar a bolha”. Precisamos ir além do um terço que classifica o governo Bolsonaro como ruim ou péssimo. Há espaço para isso, pois embora a popularidade do presidente seja estável, as pesquisas mostram que em certos temas a rejeição ultrapassa metade do eleitorado. É o caso, por exemplo, da educação: em junho de 2019, segundo o Ibope, 54% dos entrevistados desaprovaram a ação do governo nessa área. Em abril, apenas 44% tinham essa posição.11 Outra pesquisa, de julho do mesmo ano, apresenta um índice de 58% de rejeição.12 Não por acaso, a impopularidade sucedeu as mobilizações do 15 e do 30 de maio contra os cortes de verbas e os ataques do ministro Abraham Weintraub às universidades.

Para termos sucesso nessa estratégia de baixo para baixo, é fundamental entender a particularidade da dinâmica que o neoliberalismo impõe à democracia no século XXI. Trata-se do processo que Wendy Brow denomina “desfazer o Demos”. A noção do Demos como sujeito político da democracia não é nova, como mostram os estudos do historiador norte-americano Moses Finley (1988). Ao estudar a democracia direta ateniense, ele argumenta que o Demos se faz em dupla chave: a ação contínua dos cidadãos e uma institucionalidade (no caso, a Assembleia) que aceita essa ação. Naquela experiência democrática, confiança, legitimidade e autoridade estavam condensadas no espaço e no tempo da Assembleia. Se é verdade que, nas sociedades modernas, tal fusão mostrou-se inviável, ainda é necessário um Demos forte e ativo, que perpassa as instituições invisíveis da democracia. Nas palavras de Finley, “a apatia, longe de ser uma saudável condição necessária à democracia, é uma reação de retraimento provocada pela desigualdade no acesso de diferentes grupos àqueles que detém o poder decisório”. (1988:119). Mais recentemente, outros autores reforçam a ideia da participação dos pobres, dos trabalhadores, daqueles que não governam como elemento definidor da democracia. Jaques Rancière (2010) chega a definir a democracia como “uma erupção” da maioria, daqueles que não governam. E Etienne Balibar (2010) entende que só a “revolta dos excluídos” garante a convergência de liberdade e igualdade que a democracia apresenta.

Nesse sentido, o estudo de Wendy Brown sobre o neoliberalismo é central para entendermos a presente crise. Ela afirma que a principal característica do neoliberalismo é sua capacidade de desfazer o Demos, transformando todas as esferas da vida em dinâmicas econômicas governadas por uma racionalidade monetarizada e competitiva: “mais do que apenas saturar o significado ou o conteúdo da democracia através dos valores do mercado, o neoliberalismo ataca os princípios, práticas, culturas, sujeitos e instituições da democracia entendida como governo do povo” (2015:9). Nesse processo, ainda de acordo com Brown, “tanto as pessoas como os Estados se constroem segundo o modelo da empresa contemporânea” e espera-se que ambos “se comportem de modo a maximizar seu valor de capital no presente e aumentar seu valor futuro”. A única forma de fazer isso é por meio de “práticas de empreendedorismo, auto-investimento e/ou atração de investidores” (2015:14). O mais grave é que as consequências dessa operação enfraquecem não apenas a democracia liberal como eliminam a possibilidade de um imaginário democrático mais radical. Não há confiança, nem legitimidade nem autoridade possíveis na política se tudo é monetarizado e transformado em governança e gerenciamento.

Voltando à esquerda brasileira, começamos esse texto com as manifestações de junho de 2013 porque vivemos ali um momento em que o Demos tentou se apresentar, rompendo com a apatia e tentando propor, mesmo que precariamente, uma nova atuação da cidadania. Esse desejo, porem, chocou-se com instituições incapazes de ouvir, aceitar e se adaptar, mesmo com um partido de esquerda no governo. O resultado é que a ação política seguiu ativada, porém não mais no sentido de constituição do Demos e sim de quebra de legitimidade, com o impeachment, abrindo passagem para uma aceleração da dinâmica neoliberal e para a emergência da extrema-direita.

A autoridade de Bolsonaro se forjou nesse quadro. Não é que as pessoas tenham votado porque “não sabiam” em que estavam votando. É pior: elas não se importavam. Sem o Demos, isso não faz diferença. Brown nos ajuda a entender porque o resultado do processo de desfazer o Demos pode resultar no crescimento da extrema-direita. Esse tipo de desprezo e de cansaço, expresso na crise de confiança, se conecta ao modo como o neoliberalismo desfaz a democracia, pois a racionalidade liberal é “a morte da vida pública sem matar a política” (2015:36). Assim, a política se torna tóxica, refém de celebridades ou outsiders, além de ser um palco perfeito para a aprovação do programa neoliberal radical sem que a soberania popular seja consultada — como fazem Paulo Guedes e Bolsonaro.

Refazer o Demos é a tarefa urgente das esquerdas no Brasil. Para além da resistência, conquistar novas mãos para segurar. Imitar a mobilização do vira-voto no segundo turno e potencializar as energias que começaram a fervilhar naquele momento. Isso só poderá ser feito de baixo para baixo, em uma dinâmica que envolva as várias formas de ativismo do campo progressista, incluindo não apenas as pautas que nos unificam, mas também as que ampliam nossa voz e nosso alcance. Precisamos de um programa que seja factível e convincente para a maioria das pessoas. Sintetizamos — sem qualquer pretensão de concluir o debate — algumas ideias para que esse objetivo seja atingido:

  • A ideia de unidade. O Demos se desfaz também pela exaustão generalizada com diferenças pequenas que inviabilizam projetos comuns. Pouco importa se você é do PT, do PSOL ou sem partido. É preciso pensar e fazer juntos. Há diversas pautas que nos unificam no âmbito dos direitos e das liberdades e nelas devemos nos concentrar.
  • A ideia de reconexão com a sociedade. É urgente que as esquerdas não fiquem restritas aos processos institucionais. Há uma sociedade nova no Brasil, produto do lulismo, e precisamos conhecê-la e compreendê-la. Só assim poderemos contribuir para refazer o Demos.
  • A ideia de renovação. A geração política que redemocratizou e governou o Brasil precisa dar passagem para novas lideranças, com novas agendas, linguagens e modos de organização. Alguns novos nomes já representaram isso nas eleições de 2018. Mas há inúmeros ativistas atuando nas mais diferentes pautas, que muitas vezes são menosprezados como lideranças pelas instituições do campo progressista.
  • A ideia de organização. Os partidos realmente existentes não serão superados. Mas é evidente que não dão conta de liderar um novo fazer-se do Demos. O PT devido à excessiva burocratização, por ter se tornado parte do sistema. O PSOL, pelo sectarismo e pelas divisões internas. Novas dinâmicas precisam ser testadas. A tentativa de uma candidatura-movimento com Guilherme Boulos e Sonia Guajajara foi um bom começo. Isso precisa ser aprofundado, ganhar organicidade e vida própria, ampliar sua relação com a base desorganizada da sociedade.
  • A ideia do municipalismo. Em 2020, teremos eleições em todas as cidades brasileiras. Em alguns municípios importantes, as esquerdas têm condição de chegar forte caso consigam se unificar e ampliar seu discurso. Marcelo Freixo, no Rio de Janeiro, e Áurea Carolina, em Belo Horizonte, são dois exemplos. A experiência da gestão Haddad em São Paulo mantém o potencial de ser relevante no pleito de 2020. É fundamental ir além da resistência e apresentar para a sociedade um programa factível. É urgente recuperarmos, mesmo entre nós, a ideia de que queremos e podemos governar. As eleições municipais serão um ensaio para 2022.